Bebé com doença rara curado por edição genética inédita, criada especificamente para si

Children’s Hospital of Philadelphia

KJ recebe a visita de Kiran Musunuru e Rebecca Ahrens-Nicklas, os investigadores que criaram a técnica que o tratou

Um bebé nascido com uma doença genética rara e perigosa está a crescer saudavelmente após receber um tratamento experimental de edição genética feito especialmente para ele — um tratamento que os cientistas dizem que poderá um dia tratar milhões de pessoas.

Uma terapia genética personalizada permitiu corrigir um erro minúsculo mas crítico no código genético de um bebé, que mata metade das crianças afetadas.

O caso, um dos primeiros a ser tratado com sucesso com terapia específica para um doente, foi apresentado num artigo publicado na quinta-feira no The New England Journal of Medicine.

Embora possa demorar algum tempo até que tratamentos personalizados semelhantes estejam disponíveis, os médicos esperam agora que a tecnologia possa um dia ajudar milhões de pessoas que, mesmo com o avanço da medicina genética, ficaram para trás porque as suas condições são demasiado raras.

Este é o primeiro passo para o uso de terapias de edição genética no tratamento de uma ampla variedade de doenças genéticas raras para as quais atualmente não existem tratamentos médicos definitivos”, diz Kiran Musunuru, investigador da Universidade da Pensilvânia e primeiro autor do estudo, em comunicado.

O bebé, KJ Muldoon, nasceu em Clifton Heights, na Pensilvânia, é uma das 350 milhões de pessoas em todo o mundo com doenças raras, a maioria das quais genéticas. Foi diagnosticado após o nascimento com deficiência grave de CPS1, que afeta cerca de um em cada milhão de bebés.

Estes bebés não têm uma enzima necessária para a remover a amónia do corpo, que pode acumular-se no sangue e tornar-se tóxica. Em alguns casos, a condição pode ser tratada com um transplante de fígado.

A terapia usada para corrigir o gene defeituoso de KJ foi criada por uma equipa de investigadores do Hospital infantil de Filadelfia e da Universidade da Pensilvânia, que utilizou a técnica de edição genética CRISPR, ferramenta que em 2020 valeu a Emmanuelle Charpentier e Jennifer A. Doudna o Prémio Nobel da Química.

Em vez de cortar a cadeia de ADN, como nas primeiras abordagens CRISPR, a equipa usou uma técnica que troca as bases (unidades que formam os “degraus” da dupla hélice de ADN) que estão mutadas pela base correta  — adenina, guanina, citosina ou timina. Conhecida como “edição de base”, a técnica reduz o risco de alterações genéticas não intencionais.

“É muito emocionante que a equipa tenha criado a terapia tão rapidamente“, diz Senthil Bhoopalan, investigador de terapia genética no St. Jude Children’s Research Hospital, em Memphis, que não esteve envolvido no estudo, à AP News. “Isto realmente estabelece o ritmo e o padrão para estas abordagens“.

Em fevereiro, KJ recebeu a sua primeira infusão intravenosa com a terapia de edição genética, administrada através de minúsculas gotículas gordurosas chamadas nanopartículas lipídicas que são absorvidas pelas células do fígado.

Após doses de acompanhamento em março e abril, KJ tem conseguido comer mais normalmente e recuperou bem de doenças como constipações, que podem sobrecarregar o corpo e exacerbar os sintomas de CPS1.

Considerando o seu prognóstico inicial desfavorável, a mãe de KJ está bastante animada.”Sempre que vemos mesmo o menor progresso que KJ atinge, como um simples aceno, é um grande momento para nós“.

Os investigadores esperam agora que o que aprenderam com KJ ajude outros pacientes com doenças raras. Segundo Carlos Moraes, professor de neurologia da Universidade de Miami, que não esteve envolvido no estudo, pesquisas como esta abrem a porta para mais avanços.

“Depois de alguém conseguir um avanço como este, não leva muito tempo até que outras equipas apliquem as lições e avancem também”, prevê Moraes. “Há barreiras, mas serão ultrapassadas nos próximos cinco a dez anos. Então todo este campo avançará em bloco, porque estamos praticamente prontos“.

ZAP //

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