O defeito genético que causa a doença degenerativa de Huntington – que se caracteriza por movimentos corporais anormais e falta de coordenação – pode ser corrigido em pacientes pela primeira vez.
Uma droga experimental, injetada no fluido espinal, conseguiu baixar, com segurança, os níveis de proteínas tóxicas no cérebro. A equipa de pesquisa, da Universidade College London, diz que agora há esperança de que a doença fatal possa ser travada.
Especialistas dizem que este pode ser o maior avanço já visto na área de doenças degenerativas nos últimos 50 anos.
Huntington é uma das mais devastadoras doenças. Os pacientes que sofrem com este mal descrevem-na como semelhante ao Parkinson, Alzheimer e doenças motoras juntas.
Peter Allen, 51 anos, está nos estágios iniciais do Huntington e fez parte das experiências: “Esta doença pode te deixar em estado vegetal. É um fim horrível”. Além disso, a doença afeta famílias: no caso de Peter, também a mãe, o tio e o avô morreram com a mesma doença. Testes médicos mostraram que a irmã e o irmão Frank também têm probabilidade de vir a desenvolver a doença.
Os três irmãos têm oito filhos – todos jovens adultos, cada um com 50% de probabilidade de ter Huntington.
A morte de células cerebrais na doença de Huntington faz com que os pacientes entrem em declínio permanente, afetando os movimentos, comportamento, memória e capacidade de pensar com clareza.
Peter, de Essex, no Reino Unido, explicou que “é muito difícil ter essa doença degenerativa. Sabemos que, a cada dia que passa, será pior”. O mal de Huntington é provocado por um erro numa seção de ADN, o gene huntingtina, e geralmente afeta as pessoas no auge da vida adulta – entre os 30 e os 40 anos.
Cerca de 8,5 pessoas no Reino Unido tem Huntingon e outras 25 mil vão desenvolver a doença quando ficarem mais velhos. Pacientes morrem entre 10 a 20 anos após o início dos sintomas.
Normalmente, esse gene contém as instruções para a fabricação de uma proteína, também chamada de huntingtina, vital no desenvolvimento do cérebro. Mas um erro genético corrompe a proteína huntingtina e transforma-a numa assassina de células cerebrais. Este novo tratamento é destinado a silenciar esse gene.
Nas experiências, o medicamento foi injetado no líquido que banha o cérebro e a medula espinhal de 46 pacientes. O procedimento foi realizado pelo Centro Neurológico Experimental Leonard Wolfson, no Hospital Nacional de Neurologia e Neurocirurgia de Londres.
Os médicos não sabiam o que poderia acontecer. Um receio era de que a injeção da droga pudesse provocar uma meningite fatal. Mas o primeiro teste em humanos demonstrou que a droga era segura, bem tolerada por pacientes, e que reduzia significativamente os níveis de huntingtina no cérebro.
A professora Sarah Tabrizi, a investigadora chefe e diretora do Centro de Doença de Huntington na University College London, disse à BBC: “Eu tenho visto pacientes por cerca de 20 anos, e vi muitos deles morrerem ao longo desse tempo. Pela primeira vez, temos o potencial, a esperança de uma terapia que um dia pode retardar ou prevenir a doença de Huntington. É de importância fundamental para os pacientes e famílias”.
Os médicos não estão a chamar cura ao novo tratamento. Ainda são necessários dados de longo prazo para saber se a redução dos níveis de huntingtina vai mudar o curso da doença. As pesquisas com animais sugerem que sim. Algumas funções motoras até foram recuperadas nesses experimentos.
Peter, juntamente com outros participantes da experiência, podem continuar a tomar a droga como parte da nova leva de testes. Os cientistas vão verificar se a doença pode ser retardada e, em última instância, prevenida, tratando os portadores da doença de Huntington antes de desenvolverem quaisquer sintomas.
O professor John Hardy, vencedor do Breakthrough Prize pelo seu trabalho com Alzheimer, disse: “Acho que esta pode ser, potencialmente, a maior descoberta sobre doenças degenerativas nos últimos 50 anos. Parece um exagero, mas é como nos sentimos nesse momento”.
Os detalhes completos da experiência serão apresentados aos cientistas e publicados no próximo ano. A terapia foi desenvolvida pela Ionis Pharmaceuticals, que disse que a droga extrapolou substancialmente as expectativas.