Cientistas conseguiram regenerar membros funcionais em rãs

Cientistas usaram um biorreator vestível para aplicar um cocktail de cinco substâncias no coto de uma rã — que cresceu de novo e se tornou um membro funcional quase completo.

Para milhões de pacientes que perderam membros, por diversas razões, como por exemplo, diabetes ou acidentes, a possibilidade de recuperar a função através da regeneração natural permanece fora de alcance. A regeneração de pernas e braços continua a ser algo que só acontece aos super-heróis da banda desenhada.

Mas, de acordo com um estudo publicado este mês na revista Science Advances, cientistas da Universidade Tufts e do Instituto da Universidade de Harvard, deram um passo que nos aproxima deste objetivo da medicina regenerativa.

Segundo o SciTechDaily, os autores do estudo conseguiram desencadear a regeneração de uma perna perdida, em rãs adultas — que são naturalmente incapazes de regenerar membros — usando um “cocktail” de cinco drogas.

Os investigadores usaram com uma cápsula de biorreatores de silicone, que aplica o elixir sobre o coto, durante 24 horas. Este breve tratamento desencadeia um período de regeneração de 18 meses que restaura uma perna funcional.

Muitas criaturas têm a capacidade de regeneração total de pelo menos alguns membros, incluindo salamandras, estrelas-do-mar, caranguejos e lagartos. Alguns vermes podem mesmo ser cortados em pedaços, mantendo cada parte a capacidade de reconstruir um organismo inteiro.

Os humanos são capazes de cicatrizar feridas com regeneração de tecido, e os nossos fígados têm uma notável capacidade de regeneração, quase como vermes planos, após uma perda de 50%.

Mas a perda de um membro grande e estruturalmente complexo — um braço ou uma perna — não pode ser recuperada por qualquer processo natural de regeneração em humanos ou mamíferos.

A tendência é cobrir lesões graves, com uma massa de tecido cicatricial, protegendo a lesão de mais perdas de sangue e infeções, impedindo o crescimento futuro.

No seu estudo, investigadores da Tufts iniciaram o processo regenerativo em rãs com garras africanas, e envolveram a ferida numa cápsula de silicone, a que chamam BioDome, com um gel de proteína de seda com o “cocktail” de cinco substâncias.

Cada substância tem um objetivo diferente, inclusive atenuar a inflamação prevenindo a produção de colagénio que levaria à cicatrização. Outro dos objetivos destas cinco substâncias é estimular o crescimento de fibras nervosas, vasos sanguíneos e músculo.

A junção destas substâncias com o biorreator impediu a tendência natural do coto para se fechar, e despoletou o processo regenerativo.

Os investigadores observaram um crescimento acentuado do tecido em muitas das rãs que foram submetidas a este processo, recriando uma perna quase totalmente funcional. Os novos membros tinham uma estrutura óssea alargada com características semelhantes à estrutura óssea de um membro natural.

Um complemento mais rico em tecidos internos e vários dedos cresceram a partir da extremidade do membro, embora sem o suporte do osso subjacente.

O novo membro moveu-se e respondeu a estímulos, e as rãs foram capazes de fazer uso do membro para nadar na água, movendo-se como uma rã normal o faria.

Nirosha Murugan, investigadora associada do Allen Discovery Center em Tufts e  autora principal do artigo, diz que “é emocionante ver que as substâncias que selecionámos estavam a ajudar a criar um membro quase completo.”

“O facto de ser necessária apenas uma breve exposição às substâncias para pôr em marcha um processo de regeneração de meses sugere que as rãs e talvez outros animais possam ter capacidades regenerativas adormecidas que podem ser desencadeadas em ação”.

Os investigadores exploraram os mecanismos através dos quais a breve intervenção poderia levar a um crescimento a longo prazo. Nos primeiros dias após o tratamento, detetaram a ativação de vias moleculares conhecidas, que são normalmente utilizadas num embrião em desenvolvimento para ajudar o corpo a ganhar forma.

A ativação destas vias poderia permitir que a carga de crescimento e organização do tecido fosse tratada pelo próprio membro, à semelhança  do que ocorre num embrião, em vez de requerer uma intervenção terapêutica contínua ao longo dos muitos meses que são necessários para o crescimento do membro.

Como funciona o Biodome

Os animais com a capacidade natural de regeneração vivem na sua maioria num ambiente aquático. A primeira fase de crescimento após a perda de um membro é a formação de uma massa de células estaminais no final do coto chamado blastema, que é utilizado para reconstruir gradualmente a parte do corpo perdida.

A ferida é rapidamente coberta por células cutâneas nas primeiras 24 horas após a lesão, protegendo o tecido reconstituinte por baixo.

De acordo com David Kaplan, professor de Engenharia da Família Stern na Tufts e co-autor do estudo, “os mamíferos e outros animais regeneradores terão normalmente as suas lesões expostas ao ar ou ao contacto com o solo, e podem demorar dias a semanas a fechar com tecido cicatrizado”.

“A utilização da tampa do BioDome nas primeiras 24 horas ajuda a imitar um ambiente tipo amniótico que, juntamente com as drogas certas, permite que o processo de reconstrução prossiga sem a interferência de tecido cicatrizado”.

Murugan, et. al., Science Advances

Os próximos passos

No trabalho anterior da equipa Tufts, com uma única substância — a progesterona— houve um grau significativo de crescimento de membros com o BioDome. No entanto, o membro resultante cresceu como um espigão e estava mais longe de ser normal e funcional, do que o alcançado no estudo atual.

A mistura das cinto substâncias representa um marco significativo para regeneração de membros de rã plenamente funcionais e sugere que uma maior exploração de combinações de fármacos e fatores de crescimento poderia levar a membros regenerados que são ainda mais completos funcionalmente.

“Vamos testar como é que este tratamento poderia ser aplicado aos mamíferos a seguir” afirma o autor correspondente Michael Levin, diretor do Allen Discovery Center na Tufts.

“Cobrir a ferida aberta com o líquido sob o BioDome, com o cocktail de substâncias adequado, poderia fornecer os primeiros sinais necessários para pôr em marcha o processo regenerativo”, conclui Levin.

Inês Costa Macedo, ZAP //

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.