Cidade natal de Hitler tenta livrar-se do seu estigma

Michael Kranewitter / Wikimedia

A casa onde nasceu Adolf Hitler, no nº 15 da Salzburger Vorstadt, em Braunau am Inn, Áustria

Braunau am Inn é uma cidade austríaca como qualquer outra, exceto por uma casualidade histórica que ainda persegue os seus habitantes: é o local de nascimento de Adolf Hitler, o ditador mais sanguinário do século XX.

Enquanto Salzburgo é conhecida como a cidade natal de Mozart, o que lhe dá uma imagem positiva, a vizinha Braunau, com 16.000 habitantes, tem que carregar o peso de ser o local no qual o fundador do nacional-socialismo chegou ao mundo.

Hitler nasceu em abril de 1889 num casarão de três andares no centro histórico da localidade, que faz fronteira com a Alemanha.

Na praceta em frente ao imóvel vazio de cor amarela há um monumento com uma mensagem para as vítimas do Holocausto, mas em nenhum lugar aparece a palavra Hitler nem se diz que nasceu ali. É um tabu sobre o qual Braunau prefere não falar.

Embora a família daquele que se tornaria o líder nazi tenha passado apenas três meses lá, o imóvel é conhecido como “a casa de Hitler”, sobretudo para os neonazis que em algumas ocasiões peregrinam ao local.

O governo austríaco expropriou a casa no início de 2017 e a sua proprietária recorreu da decisão no Tribunal Constitucional. Desde 1972 que a casa estava alugada ao Estado, que a mantinha para evitar que pudesse ser convertida num lugar de culto a Hitler.

O edifício alojou nas últimas décadas uma escola, uma filial bancária, uma biblioteca e, até 2011, uma loja-oficina de uma organização para pessoas com deficiência, que foi obrigada a mudar-se porque a proprietária se recusava a adaptar o edifício às suas necessidades.

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Monumento de pedra no lugar de nascimento de Hitler. A inscrição diz: "Pela paz liberdade / e democracia / fascismo nunca mais / milhões de mortos nos relembram."

Monumento de pedra no lugar de nascimento de Hitler. A inscrição diz: “Pela paz liberdade / e democracia / fascismo nunca mais / milhões de mortos nos relembram.”

O imóvel será agora reformado, havendo negociações para que abrigue a mesma organização para pessoas com necessidades especiais que já o utilizou no passado.

Desta forma respeita-se as recomendações de uma comissão de especialistas, que defendeu um uso social ou benéfico, e descartou demoli-la, porque seria “negar a história”, ou criar um museu, já que isso levaria a uma maior “associação com Hitler”.

O seu uso por pessoas com necessidades especiais seria, além disso, uma reparação simbólica para um grupo perseguido pelos nazis. “Isso seria uma afirmação da vida, uma homenagem às vítimas do nazismo”, declarou à Agência EFE o autarca de Braunau, Johannes Waidbacher. “Seria um símbolo claro contra os crimes cometidos por Hitler”.

Por seu turno, o historiador Andreas Maislinger está há quase 20 anos a lutar para criar uma “casa da responsabilidade” no local, um projeto educativo para divulgar os valores de paz e direitos humanos entre jovens vindos de todo o mundo.

Braunau é um símbolo“, diz Maislinger à EFE, “e isso não vai mudar com negação, mas propondo um novo marco conceptual: deixar de falar da casa de Hitler para falar da casa da responsabilidade“.

O historiador e cientista político lamenta que Braunau continue sob o estigma de Hitler, algo que considera “injusto”, porque não foram lá cometidos – ou sequer planeados – os crimes do nazismo. Em todo caso, considera ser um erro não enfrentar a situação de forma directa e que isso continue a ser tabu.

“Durante décadas houve uma oficina para pessoas com necessidades especiais, mas isso não mudou nada e todos conheciam o lugar como ‘a casa de Hitler. É preciso criar uma nova marca, uma nova definição”, resumiu.

Andreas Maislinger não é o único que tem um projeto para mudar a imagem da cidade. Georg Wojak, presidente do consórcio de municípios cuja capital é Braunau, também impulsiona desde 2008 uma iniciativa para associar a região com a paz.

Dessa maneira, estão a ser plantadas tílias como símbolo da paz em todo o distrito e promovidas figuras regionais relacionadas com valores de concórdia, como a do compositor Franz Xaver Gruber (1787-1863), autor da famosa canção de Natal “Noite Feliz”.

Wojak reconhece que Braunau ainda sofre com o peso da sua própria história e, tal como muitos dos moradores, considera que o melhor teria sido desfazer-se da casa.

Lamento que os americanos não tenham demolido o edifício quando libertaram a cidade em maio de 1945″, assegurou, “e a maioria das pessoas pensa como eu”.

E até a má sorte também se conjurou contra Braunau, já que o seu nome faz referência à cor castanha (“Braun”) associada aos nazis. O povo chegou a colocar cartazes com lemas como “Braunau não é castanha”, para mostrar a sua oposição à extrema-direita.

Ainda assim, a cidade continua a ser notícia frequente nos meios de comunicação, porque neonazis de toda a Europa se sentem atraídos pela casa. Em fevereiro deste ano, por exemplo, a polícia deteve um sósia de Hitler que passeava pela cidade e tirou algumas fotos em frente ao imóvel.

// EFE

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