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Quando é que o ciclismo deixa de ter público?

Reprodução

Numa espectacular Volta a França, o pior espectáculo é – outra vez – o do público. Não, não são só as motas.

Respondendo já à pergunta que está no título: nunca. Provavelmente, nunca.

Porque dá outro espectáculo a cada prova, porque incentiva os ciclistas, porque cria negócio nas localidades em causa. Na verdade, porque faz parte do próprio ciclismo.

E porque seria impossível impedir a presença de pessoas em percursos de 200 quilómetros por dia.

Mas há momentos em que dá vontade…

As motas (e não só)

A Volta a França em bicicleta tem sido o cenário do já esperado duelo entre
Jonas Vingegaard e Tadej Pogačar.

Após 14 etapas, o dinamarquês lidera mas tem apenas 10 segundos de vantagem sobre o esloveno.

Este sábado, na 14.ª etapa, foi dia de mais uma espectacular luta a dois, na ligação entre Annemasse e Morzine Les Portes du Soleil.

Na última subida do dia, os dois ficaram isolados na frente e, a cerca de 13 quilómetros do fim, Pogačar atacou (outra vez). Parecia lançado para ganhar algum avanço sobre Vingegaard, mas foi travado… por duas motas.

Os comentadores da Eurosport de França até soltaram determinadas palavras:

Uma mota era de uma equipa de televisão, a outra de um fotógrafo. Foram multadas e proibidas de voltar à estrada neste domingo.

Mas as duas motas não seriam um obstáculo se o resto da estrada estivesse disponível.

Não estava. Por causa do público.

Claro que fica sempre no ar o “se”. Não sei se Pogačar iria conseguir a bonificação no prémio de montanha e não sei se iria vencer a etapa – que foi ganha por Carlos Rodríguez – por causa deste ataque.

Mas é uma possibilidade: o público interferiu na luta pela vitória na etapa e até na luta pela vitória na Volta a França, dada a diferença de apenas 10 segundos entre os dois primeiros classificados.

Fazendo uma comparação com a modalidade mais conhecida em Portugal: imaginemos que, num jogo dos quartos-de-final, um futebolista vai a caminho do golo mas é interrompido por um adepto que salta das bancadas; e não marca. Ridículo, não é?

Mas ainda houve mais

Este artigo começou a ser planeado no sábado, dia da já mencionada 14.ª etapa e do episódio das motas.

Não fazia ideia que, logo no dia seguinte ainda haveria um momento pior. Não houve qualquer interferência na disputa pelos lugares cimeiros, mas houve uma queda de diversos ciclistas.

Na 15.ª etapa, entre Les Gets e Saint-Gervais, houve nova queda colectiva, ainda na fase inicial. Cerca de 20 ciclistas caíram.

Tudo por causa de um espectador que (aparentemente) queria tirar uma fotografia com o telemóvel e acertou com o braço no ciclista Sepp Kuss, atirando-o ao chão.

E depois aconteceu isto:

Na RTP2, Marco Chagas até sugeriu que este gesto foi propositado. “Que é algo que nos choca dizer, não pode ser verdade!”.

O público (ou parte dele) não quer ver um espectáculo. Quer ser o espectáculo. E depois estraga o espectáculo original.

Não foi coincidência a organização da Volta a França, pouco depois, ter publicado os avisos – que nem deveriam ser precisos, mas que são ignorados.

As recomendações são: não invadir a estrada, não arriscar por causa de uma fotografia, não correr ao lado dos ciclistas, não empurrar os ciclistas e não acender foguetes.

E tem um vídeo a lembrar imagens inacreditáveis:

Sim, porque o Tour 2023 não está a ser inédito neste aspecto. Longe disso.

As pessoas querem aparecer em tudo. Até quando está uma criança na bicicleta:

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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