A coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, que deixa este fim de semana a liderança do partido, disse hoje estar “muito feliz”, salientando que o BE “está muito bem e vai ficar muito bem”.
Catarina Martins falava aos jornalistas à entrada da XIII Convenção Nacional do BE, que decorre hoje e domingo no pavilhão do Casal Vistoso, em Lisboa, onde foi recebida com palmas por alguns apoiantes que a esperavam.
Acompanhada pela eurodeputada Marisa Matias e pela deputada Joana Mortágua, Catarina Martins antecipou que o seu último discurso enquanto líder do BE “vai ser um discurso muito tranquilo”.
“Estou muito feliz, muito feliz porque sei que o Bloco está muito bem, que vai ficar muito bem e eu cá continuarei noutra função”, afirmou.
Sobre se sai com a sensação de dever cumprido, após uma década à frente do partido, Catarina Martins respondeu: “Fiz o melhor que pude e soube, às vezes melhor, outras vezes pior, sei que este é um grande partido, com muita gente, com tanta capacidade com tanta energia, estou muito feliz por isso”.
Perante várias perguntas dos jornalistas sobre o seu futuro político, Catarina Martins disse apenas que estava presente na convenção “como coordenadora do BE”.
Memórias das conquistas e farpas ao PS
Catarina Martins elencou algumas das lutas do Bloco nos últimos anos, como a defesa das trabalhadoras das limpezas e dos cuidados, “a maioria mulheres negras, a maioria imigrantes, a exigir contratos”, e outros tipos de trabalhadores precários.
O Bloco também começou a “construir justiça para o acesso à reforma de quem começou a trabalhar em criança” e foi quem garantiu “manuais escolares gratuitos para as crianças e jovens no ensino obrigatório e transportes públicos gratuitos para jovens e idosos e passes família”.
“Conseguimos o respeito na lei por todas as famílias. O amor não pode ser limitado pelo preconceito, temos orgulho na liberdade que nunca devia ter sido negada a cada pessoa”, enumera ainda.
A coordenadora sublinha ainda que foi o seu partido quem revelou “escândalos financeiros” e denunciou denunciou “a pirataria das privatizações e os banqueiros e CEOs que prejudicaram o país”.
“E se agora nos dizem que é importante, pois lembrem-se que era o Bloco de Esquerda que Ricardo Salgado tratava como o seu inimigo e tinha toda a razão”, frisa.
“PS é o padrasto de todo o populismo”
A ainda coordenadora do BE também atirou farpas ao PS, que apelidou de “padrasto de todo o populismo”, considerando que os problemas estruturais do país foram agravados porque os socialistas acharam que, com a maioria absoluta, tinha chegado o seu “momento cavaquista”.
Catarina Martins também acusa o PS de usar “o aparelho do Estado”, perder-se “em guerras internas” enquanto Portugal “assiste incrédulo a um governo paralisado e enredado nos seus próprios erros”.
“Todos estes problemas estruturais foram agravados porque o PS, com maioria absoluta, achou que chegara o seu momento cavaquista”, acusou, considerando que os socialistas quiseram uma “política no avesso da esquerda”.
Para a ainda coordenadora do BE, o PS de António Costa pode “vitimizar-se” mas, considerou, “não foram a covid e a guerra que criaram as dificuldades atuais” nem “nenhuma oposição que criou qualquer dos problemas que os ministros inventam”.
“E assim se entretém uma degradação da vida pública em que o PS se tornou o padrasto de todo o populismo”, acusou. No entanto, para Catarina Martins é “preciso constatar que esta triste telenovela da crise governamental é a menor das adversidades do país”.
A maior dificuldade, continuou, é “um modelo de economia e de injustiça social que destrói Portugal”, com “baixos salários e alta especulação“, lamentando um modelo de economia “devorada pelo turismo, mesmo que quem o sirva já não tenha onde morar” e “onde nunca há regadio intensivo a mais, mesmo que a seca se agrave a cada ano que passa”.
A líder do BE considerou que não foi “porque a negociação lhes tirava horas de sono que o PS recusou qualquer entendimento com a esquerda”, acusando os socialistas de encenar “confrontos vazios com a direita“, ao mesmo tempo que copia as políticas desses partidos.
Este “jogo de espelhos em que os avanços são sempre simbólicos e a vida concreta é sempre um recuo” é o maior perigo, na análise de Catarina Martins.
“Mesmo no confronto com a extrema-direita, na defesa de valores de dignidade e respeito, da igualdade e das liberdades, ao negar as condições concretas do salário, do serviço público, da habitação, ao fazer dos serviços secretos um misterioso joguete, ao propor restrições constitucionais perigosas, o PS está a contaminar todo o debate democrático e a estender a passadeira ao regresso dos piores fantasmas do passado”, aponta.
A ainda líder do BE condenou, por isso, “quem quer convencer o pobre que a culpa da sua situação é do mais miserável, ou do imigrante, ou da mulher” e considerou que quem “proclama vitórias enquanto o povo sente a vida a andar para trás” está a alimentar “as ervas daninhas do ressentimento”.
Na fita do tempo, Catarina Martins não deixou de fora a luta dos professores, referindo que “há quatro anos, António Costa virou o país” contra estes profissionais e ameaçou com a queda do Governo se os professores recuperassem o tempo de serviço, recordando ainda quando “António Costa ameaçou recorrer ao Tribunal Constitucional e a outros tribunais” quando o parlamento decidiu que não havia mais pagamentos ao Novo Banco antes de as suas contas serem certificadas.
Apesar de a derrota eleitoral de 2022 ter deixado “feridas”, o BE fez o que tinha a fazer e voltaria a pressionar o Governo “a propósito da saúde e dos direitos laborais”. “Não cedemos à chantagem e não preciso de vos dizer como é importante que o povo tenha esta certeza de que aqui está gente que nem verga nem quebra”, frisa.
Já António Costa provocou “uma crise política para ter maioria absoluta.” “Foi uma artimanha de que saiu vencedor. E agora não sabe o que fazer com a sua vitória e é consumido pela pior de todas as situações: o governo pouco faz e não tem desculpa nenhuma”, atira.
“As gerações reforçam-se”
Catarina Martins afirmou ainda que no BE as “gerações não se atropelam”, mas “reforçam-se”, recordando o legado dos fundadores do partido e de João Semedo.
“Sei bem que a camaradagem, a convicção, o debate franco, a luta ombro a ombro não se comemoram. Partilham-se, mas permitam-me que hoje vos diga o quão grata estou pelo privilégio de ter seguido convosco no caminho destes últimos 11 anos e pelo que mais virá”, disse Catarina Martins, no último discurso enquanto coordenadora do BE, na XIII Convenção Nacional, em Lisboa.
Recordando a “enorme generosidade” de Francisco Louçã, que a antecedeu na liderança do partido, a coordenadora do BE enalteceu ainda Luís Fazenda e Fernando Rosas.
“De formas diversas, reinventaram a sua intervenção no Bloco e ensinaram-nos que as gerações não se atropelam nem se substituem, as gerações no BE reforçam-se, acrescentam-se”, enfatizou, recordando ainda os ensinamentos que deixou o outro fundador do BE Miguel Portas.
Um dos maiores orgulhos de Catarina Martins é, nas suas palavras, a promulgação da lei que despenaliza a morte medicamente assistida.
“Não é o único legado que nos deixa, longe disso, mas esta particular combinação de exigência e tolerância é a Lei João Semedo, e Portugal deve agradecer-lhe a generosidade com que se dedicou a esta causa como ao SNS até ao último dos seus dias”, disse.
A intervenção terminou com uma ovação de cerca de cinco minutos, de pé, dos delegados da XIII Convenção Nacional bloquista. Será ainda escolhido o próximo líder do partido, com moção da deputada Mariana Mortágua a ser encarada como a favorita. Vai também a votos a moção de orientação do deputado Pedro Soares.
ZAP // Lusa