Comissão Independente confirma assédio e abuso de poder no caso a envolver os investigadores Boaventura Sousa Santos e Bruno Sena Martins no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra – que desvalorizou casos.
Quase um ano depois de as primeiras denúncias de casos de assédio sexual e moral contra Boaventura de Sousa Santos terem sido tornados públicos, a comissão independente criada para averiguar denúncias no CES da Universidade de Coimbra confirmou, esta quarta-feira, a existência de padrões de conduta de abuso de poder e assédio, por parte de “pessoas em posições hierarquicamente superiores”.
“Da análise de toda a informação reunida, bem como das versões entre as pessoas denunciantes e pessoas denunciadas que foram compatíveis entre si, indiciam padrões de conduta de abuso de poder e assédio por parte de algumas pessoas que exerciam posições superiores na hierarquia do CES”, revela o relatório final da comissão independente, que iniciou funções em agosto do ano passado.
Três investigadoras que passaram pelo CES da Universidade de Coimbra denunciaram situações de assédio num capítulo do livro intitulado “Má conduta sexual na Academia – Para uma Ética de Cuidado na Universidade”, o que levou a que os investigadores Boaventura Sousa Santos e Bruno Sena Martins acabassem suspensos de todos os cargos que ocupavam no CES.
De acordo com o relatório, à comissão independente foram denunciadas 14 pessoas, por 32 denunciantes, registando-se um total de 20 audições.
O relatório da comissão independente indica que a documentação apresentada e as audições realizadas, tanto de pessoas denunciantes como de pessoas denunciadas, “não permitiram esclarecer indubitavelmente a existência ou não da ocorrência de todas as situações comunicadas”, embora indiciem padrões de conduta de abuso de poder e assédio por parte de algumas pessoas que exerciam posições superiores na hierarquia do CES.
Segundo o ZAP pode constatar, nas 114 páginas do relatório, no qual os nomes de Boaventura Sousa Santos e Bruno Sena Martins nunca são referidos, há referências a “toques indesejados e não consentidos em partes do corpo como coxas, nádegas e zonas genitais e abraços demasiado longos e apertados”.
São ainda apontados casos de “relações sexuais com pessoas em posições hierárquicas inferiores e/ou de vulnerabilidade, enquanto estas se encontravam sob efeito de substâncias e sem condições plenas para prestar consentimento livre e esclarecido”, “relações sexuais com alunas/investigadoras cuja avaliação estava diretamente dependente das pessoas que as procuravam”, e “tentativas de controlo da vida sexual de alunas”.
Segundo apurou a comissão independente, 78% dos denunciantes são mulheres, 6% são homens e em 16% dos casos não foi possível identificar o sexo devido à denúncia ter sido feita de forma anónima.
Ainda no que toca aos denunciantes, 47% identificaram-se como estudantes de doutoramento no CES, 10% investigadores e 9% investigadores de pós-doutoramento.
O relatório alude ainda ao facto de as várias direções do CES, ao longo dos anos, terem desvalorizado algumas situações com indícios de comportamentos menos próprios nas relações entre membros da sua comunidade.
“Podem ter contribuído para a eventual perpetuação das mesmas. Em concreto, a forma como lidaram com as “Pichagens”, iniciadas em 2017, ignorando e não atuando administrativa e judicialmente, indicia uma maneira leviana de atuação sobre alegados comportamentos que deveriam, por parte de um órgão executivo, ser levados muito a sério, nomeadamente, através de uma investigação interna”, pode ler-se.
Boaventura nega acusações de assédio
Comentando o relatório da comissão independente, Boaventura Sousa Santos garantiu nunca ter sido confrontado com acusações concretas de abuso de poder ou assédio, referindo ainda que relatório não lhe faz acusações diretas.
“Pessoalmente, estou mais tranquilo hoje do que estava há um ano. Nunca esperei uma absolvição das suspeitas que sobre mim pairaram porque, efetivamente, nunca fui confrontado com acusações concretas de abuso de poder ou de assédio – como, aliás, o próprio documento agora atesta”, refere em comunicado enviado à agência Lusa.
Boaventura de Sousa Santos manifesta que esperava que tivesse havido, da parte do CES, um esclarecimento, que “pusesse fim ao clima de suspeição”.
“Como fundador do CES, estou hoje mais preocupado. A Comissão Independente fez, em meses, uma radiografia de 48 anos de atividade da instituição, baseada em 32 denúncias. O relatório centrou-se em questões de abuso de poder, nas quais não me revejo, até responsável pela descentralização de poder”, acrescenta.
No seu entender, as mais de 600 páginas de prova que juntou ao processo contribuíram para que “nada de objetivo” tenha sido concluído contra si.
“Seja na esfera judicial ou disciplinar, espero que a direção do CES dê seguimento a qualquer indício de infração – como comunicou que faria – e que, pela minha apreciação do relatório e no que me diz respeito, não existe. Espero que, apesar das limitações que revelou, este processo sirva de exemplo para futuro”, conclui.
ZAP // Lusa
Caso Boaventura de Sousa Santos
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