A calçada portuguesa foi originalmente criada para evitar que um rinoceronte sujasse os membros da corte com lama durante o cortejo do rei D. Manuel I.
A calçada portuguesa é um dos símbolos mais famosos da nossa cultura. Feita com calcário branco e preto, a calçada distingue-se pelo estilo irregular da colocação das pedras, que geralmente são cubos.
Até aqui todos sabemos — mas e a sua história? O calcetamento das ruas de Lisboa teve início nos finais do século XV, com as cartas régias de 20 de Agosto de 1498 e de 8 de Maio de 1500 assinadas pelo rei D. Manuel I. Na altura, decidiu-se que a calçada seria feita com granito, que teve de ser trazido de propósito do norte e encareceu todo o processo.
A parte mais caricata é a razão pela qual a calçada foi feita. Não, não foi para embelezar as ruas ou para acabar com estradas em terra batida, mas antes por causa de um rinocerante branco chamado Ganga, que foi oferecido a Portugal pelo rei Modofar, do reino de Cambaia, e que se tornou uma grande atracção dado ser o primeiro rinoceronte visto na Europa desde o século III.
O cortejo do rei, onde membros da corte e da família real mostravam as riquezas das colónias, incluindo o rinoceronte, estava marcado para as vésperas do aniversário do rei, a 21 de Janeiro. Ora, em Janeiro a chuva não costuma perdoar e as vias públicas ficavam enlamaçadas. Foi para evitar que Ganga sujasse ainda mais os membros da corte que o rei decidiu que a Rua Nova dos Mercadores seria calcetada.
O terramoto de 1755 levou a que as prioridades nos investimentos públicos mudassem, com a calçada a ficar para o fundo da lista. No entanto, no século XIX, Lisboa voltou a apostar na calçada portuguesa, desta vez em calcário e assentada por presidiários — conhecidos como grilhetas —, a mando do Governador de armas do Castelo de São Jorge, o tenente-general Eusébio Pinheiro Furtado.
Em 1842, nasceu assim a primeira calçada de calcário dentro do Castelo de São Jorge. O desenho usado na época foi bastante simples, mas a obra fascinou na mesma a opinião pública e inspirou muitos cronistas portugueses. A calçada de 1842 foi até referida por Almeida Garrett em O Arco de Sant’Ana e no poema Cristalizações, de Cesário Verde, escreve a VortexMag.
O sucesso foi tanto que Eusébio Furtado recrutou os grilhetas para também calcetarem a Praça do Rossio. A obra de grande envergadura, conhecida como Mar Largo, só foi finalizada em 1848, e incluiu desenhos alusivos às aventuras dos navegadores portugueses, como caravelas, rosas-dos-ventos, conchas, peixes, estrelas ondas do mar.
Desde então, já vários artistas famosos ao longo da história já se inspiraram na calçada portuguesa para a criação de obras de arte, como Eduardo Nery, Fernanda Fragateiro, Fernando Conduto, João Abel Manta, Maria Keil, Pedro Calapez, Pedro Proença, Porfírio Pardal Monteiro, Rigo, Xana e Vhils.
A calçada chegou também além-fronteiras, com os territórios que já estiveram sob a alçada portuguesa, como o Brasil, Cabo Verde, Moçambique, Timor-Leste, Macau, Angola ou partes da Índia, a também terem as famosas pedras de calcário pretas e brancas a decorar as suas ruas.