Cadeias de abastecimento podem enfrentar crise até 2023. “Pior era impossível”

Bernard Spragg. NZ / Flickr

O transporte de mercadorias continua a disparar de preço, e a falta de contentores já está a prejudicar as exportações nacionais.

Segundo o Jornal de Negócios, a escalada dos encargos com energia é outro fator que causa preocupações na indústria.

A indústria nacional está a ser afetada por uma “tempestade” de portos engarrafados, falta de matérias primas e subidas acentuadas dos preços dos materiais, da energia e da logística.

A subida nos preços do transporte internacional de mercadorias começou pelo marítimo, mas já se propagou ao aéreo e ao ferroviário e ameaça, muito brevemente, chegar ao rodoviário.

A disrupção das cadeias logísticas globais está longe de estar resolvida e as consequências serão inevitáveis subidas de preços para os consumidores.

António Nabo Martins, presidente executivo da Associação dos Transitários de Portugal (APAT), salientou que, no transporte marítimo, os fretes em algumas rotas aumentaram 1.000%. O custo no ferroviário também já subiu 100% e o transporte aéreo registou mais 500%.

Tudo o que era de valor passou a vir de avião ou de comboio até ao centro da Europa, mas a capacidade continua a não existir, já que 85% do tráfego internacional é marítimo e não é possível substituir um navio de 20 mil TEU (unidade equivalente a um contentor) por um comboio, que transporta apenas 80″, realça o dirigente.

No caso do transporte rodoviário, António Martins explica que, se até agora houve um esforço para manter o nível de preços, “a subida dos combustíveis, a falta de motoristas e a pressão que passou a ser exercida sobre este transporte” vai provocar um aumento de preços, também.

O presidente da APAT acrescenta ainda que, no início de 2022, o custo pode ser 30% superior ao que é hoje, sendo que já há um ano que a associação alertava para as complicações das cadeias de abastecimento.

A pandemia foi o primeiro fator a causar estes problemas, devido ao crescimento do consumo. O problema, segundo António Martins, “não está controlado”, e as exportações nacionais estão a sofrer com isso.

“As exportações estão melhores que o ano passado, mas pior era impossível. Podíamos era estar incomensuravelmente melhor e já atingir os níveis de 2019″, desabafa o dirigente.

Desde há cerca de duas semanas, se alguém contactar um transitário para levar uma carga para um qualquer ponto do globo, “ele vai dizer que até ao início de 2022 não há disponibilidade”, refere.

António Martins explica a situação com a falta de equipamentos, como contentores, e assegura que, de momento, não há falta de motoristas em Portugal mas que, “daqui a um ano”, isso pode vir a acontecer.

O líder da APAT prevê que o problema mundial da disrupção no transporte marítimo se mantenha em 2022. “Não vamos conseguir descarregar 96 navios, cada um com mais de 15 mil contentores, em Los Angeles, em um ou dois meses”. A situação só deve começar a normalizar “a partir do segundo semestre de 2023”.

O responsável nota ainda que a qualidade da prestação desses serviços está a diminuir, mesmo com a subida de preços do transporte marítimo.

“Voltámos ao PP dos nossos avós”

Já baixou mais de 50%“, frisa. “Antes estávamos a pagar preço e prazo — PP — que era preço baixo e prazo curto. Agora, na cadeia logística, voltámos ao PP dos nossos avós, que era de pronto pagamento”

Segundo revela, os armadores já estão a exigir aos transitários de menor dimensão que “paguem a pronto por um contentor que não sabem quando vai chegar“.

António Martins não tem dúvidas de que o consumidor final vai pagar mais. Em Portugal, “bens de primeira necessidade, como alimentos, não vão faltar neste momento. Mas a que preços, não sei”.

No caso de outros bens não tão essenciais, podem tornar-se mais difíceis de adquirir, como é o caso de semicondutores, fios de algodão, madeira, aço, alumínio ou vidro, que já começaram a faltar.

Na opinião do líder da APAT, os preços “nunca mais vão voltar ao que eram” e, mesmo que a atual disrupção nas cadeias de abastecimento se regule, há “custos com a descarbonização”.

O responsável antevê novos constrangimentos, por via dos preços dos combustíveis, e da maior pressão que a procura está a fazer sobre quem fornece e transporta, o que “é mais um peso em cima de toda esta cadeia mundial“.

Gás aquece preocupações

Outra das grandes preocupações da indústria nacional é a escalada imparável de preços da energia. Desde o final do verão, que o custo da eletricidade tem batido recordes, sufocando os consumidores industriais.

O governo tenta aliviar o impacto, através dos custos de acesso às redes, que podem baixar até 90%, em 2022.

De acordo com parte dos analistas internacionais, o fim da crise está previsto para a primavera de 2022, mas a posição não é consensual.

O gás natural tem feito disparar os custos da luz, por via do mecanismo de formação dos preços e é aqui que pairam os maiores receios.

A tensão entre a Rússia e a Ucrânia agravou os aumentos de preços, uma vez que cerca de 40% das importações de gás da Europa dependem da Rússia, e a Ucrânia é uma das rotas de passagem.

No caso de Portugal, Álvaro Laranjo, diretor executivo da Associação Portuguesa de Empresas de Gás Natural (AGN), lembra que “os futuros do mercado para o primeiro trimestre de 2022 se mantêm elevados”.

Os contratos TTF, referência de gás natural nos mercados europeus, apontam para valores a rondar os 140 euros por MWh. “Para os trimestres subsequentes será ainda prematuro fazer alguma previsão da evolução, dada a volatilidade observada no mercado”, nota Álvaro Laranjo.

O recente parecer do conselho tarifário da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos reflete o desnorte que se vive no mercado, ao constatar que “o patamar de nivelamento dos preços nos mercados grossistas para o futuro é ainda incerto”.

ZAP //

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