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A renúncia, a namorada e a professora comunista atirada ao mar. Papa Francisco conta tudo em livro

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António Cotrim / EPA

Papa Francisco em Cascais durante a JMJ

O Papa Francisco lança, nesta terça-feira, a sua primeira autobiografia, onde fala de uma eventual renúncia ao papado como uma “hipótese distante”, que só ocorreria devido a “grave impedimento físico”. Também fala das paixões da adolescência e de uma professora comunista que foi decisiva na sua juventude.

Na obra “Vida: A minha história através da História”, escrita em colaboração com o jornalista italiano Fabio Marchese Ragona, o Papa de 87 anos diz não ter qualquer problema de saúde que exija a renúncia.

Neste livro, lançado em dezenas de países e que chega a Portugal em Abril, Francisco sublinha ainda que o papado é um trabalho para toda a vida, mas que, “se ocorrer um impedimento físico grave“, já redigiu uma carta de demissão que está guardada na Secretaria de Estado.

A professora comunista que foi atirada ao mar

O Papa Francisco também recorda os tempos da ditadura argentina (1976-1983), lamentando o que diz ter sido “um genocídio geracional” e notando que assumiu a missão de acolher os jovens em risco no âmbito do regime do general Jorge Rafael Videla quando era apenas o padre Jorge Bergoglio.

Francisco também recorda a professora de Bioquímica Esther Ballestrino que foi muito importante na sua formação, lamentando que não conseguiu salvá-la.

“Ela ensinou-me muito sobre política“, refere o Papa na obra sobre a mulher que fundou as “Mães da Praça de Maio” e com quem trabalhou num laboratório de química.

“Era verdadeira comunista, ateia, mas respeitosa” que, “apesar das suas ideias, nunca atacou a fé”, escreve ainda o Papa sobre Esther.

Francisco conta também que escondeu os livros de Esther, mas que, mesmo assim, esta foi levada pela polícia, torturada e atirada ao mar a partir de um avião. O seu corpo deu à costa em 1977.

O Papa também relata que escondeu 22 seminaristas das autoridades e que ajudou um jovem que precisava de fugir da Argentina, vestindo-o de padre e dando-lhe o seu cartão de cidadão.

Arrisquei muito: se o tivessem descoberto, sem dúvida que o teriam matado, e viriam procurar-me”, escreve na autobiografia.

A jovem que o deixou deslumbrado

Na obra, o Papa também aborda os seus tempos de juventude e a vida pessoal, contando, nomeadamente, que teve uma namorada e que se apaixonou por uma jovem por quem ficou “deslumbrado”, quando estava no Seminário, e que “lhe deu a volta à cabeça com a sua beleza e inteligência“.

“Durante uma semana, fiquei com a imagem dela na cabeça e tive dificuldade em rezar“, confessa Francisco, salientando, contudo, que o chamamento de Deus acabou por ser mais forte.

“Felizmente, isso passou e dediquei-me de corpo e alma à minha vocação”, nota.

“Um padre não pode olhar para essas coisas”

O Papa fala também sobre outra das suas paixões, o futebol, mas diz que não assiste a jogos da Argentina na televisão desde 1990, porque há coisas que um sacerdote não deve ver.

“Enquanto os irmãos e eu assistíamos televisão na sala de recreação, foram transmitidas algumas cenas não muito delicadas, para dizer o mínimo, algo que certamente não fazia bem ao coração”, escreve o Papa.

“Nada de arriscado, pelo amor de Deus, mas assim que voltei para a sala disse para mim mesmo: ‘Um padre não pode olhar para essas coisas’. E assim, no dia seguinte, na missa da festa de Nossa Senhora do Carmo, fiz um voto de não ver mais televisão“, conta Francisco.

Benção a casais do mesmo sexo

Francisco também volta a defender a sua decisão de permitir que casais do mesmo sexo, ou em união de facto, sejam abençoados.

O Santo Padre, que comemorou na quarta-feira 11 anos de pontificado, reitera a condenação ao aborto e o recurso a barrigas de aluguer.

“Devemos sempre defender a vida humana, desde a concepção até à morte. Não me cansarei de dizer que o aborto é um homicídio, um acto criminoso, não há outras palavras: significa descartar, eliminar uma vida humana que não tem culpa”, aponta Francisco.

“É uma derrota para quem o pratica e para quem se torna cúmplice: assassinos de aluguer, pistoleiros! Chega de abortos, por favor!”, salienta o Sumo Pontífice.

ZAP // Lusa

1 Comment

  1. Referenciar Bergoglio como o Papa Francisco é, clararamente, muito redutor.
    É um HOMEM de vida cheia, recheada de vivências que lhe imprimiram, na personalidade e na acção, sólidos princípios e valores humanos, muito para além das práticas hipócritas e tantos atropelos que do Vaticano advêm.
    É um lutador, um guerreiro pela justiça e pela paz, um conhecedor dos regimes políticos, e das ditaduras que lhe gravaram a fogo, nomes cuja memória só a morte apagará.
    (quem viveu a tirania não esquece. Nem perdoa, digo eu).
    Está com uma idade avançada e uma saúde débil, mas seria uma crueldade, uma injustiça que não merece, morrer sem ver a sua Argentina que tanto ama, libertada do jugo em que se encontra, pelas más escolhas, de quem faz do voto um joguete de sorte ou azar, só para chatear. (e sai chateado, pois claro!)

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