Astrónomos encontram sinais de efeito quântico previsto há 80 anos por Heisenberg

L. Calçada / ESO

Esta conceção artística mostra como é que a radiação emitida pela superfície de uma estrela de neutrões fortemente magnetizada (à esquerda) se polariza linearmente à medida que viaja através do vácuo do espaço que envolve a estrela no seu percurso até chegar à Terra (à direita).

Esta conceção artística mostra como é que a radiação emitida pela superfície de uma estrela de neutrões fortemente magnetizada (à esquerda) se polariza linearmente à medida que viaja através do vácuo do espaço que envolve a estrela no seu percurso até chegar à Terra (à direita).

Astrónomos europeus encontram evidências de um efeito quântico conhecido por birrefringência do vácuo, previsto há 80 anos por Werner Heisenberg – famoso pelo princípio de incerteza – e Hans Heinrich Euler, mas que ainda não tinha sido demonstrado experimentalmente.

Ao estudar com o VLT (Very Large Telescope) do ESO a radiação emitida por uma estrela de neutrões muito densa e fortemente magnetizada, os astrónomos descobriram as primeiras indicações observacionais de um estranho efeito quântico, previsto inicialmente nos anos 1930.

A polarização da radiação observada sugere que o espaço vazio em torno da estrela de neutrões está sujeito a um efeito quântico conhecido por birrefringência do vácuo.

Uma equipa liderada por Roberto Mignani do INAF de Milão, Itália, e da Universidade de Zielona Gora, Polónia, utilizou o VLT do ESO, instalado no Observatório do Paranal no Chile, para observar a estrela de neutrões RX J1856.5-3754, situada a cerca de 400 anos-luz de distância da Terra.

Apesar de ser uma das estrelas de neutrões mais próximas de nós, a luminosidade muito baixa deste objeto faz com que os astrónomos apenas a possam observar no visível com o instrumento FORS2 montado no VLT, nos limites da atual tecnologia de telescópios.

Davide De Martin / Digitized Sky Survey 2 / ESO

Esta imagem de grande angular mostra o céu em torno da estrela de neutrões muito ténue RX J1856.5-3754, localizada na constelação de Coroa Austral

As estrelas de neutrões são restos de núcleos muito densos de estrelas massivas – pelo menos 10 vezes mais massivas que o Sol – que explodiram sob a forma de supernovas no final das suas vidas. Possuem igualmente campos magnéticos intensos, milhares de milhões de vezes mais fortes que o do nosso Sol, que permeiam as suas superfícies exteriores e seus arredores.

Estes campos magnéticos são tão fortes que afetam inclusivamente as propriedades do espaço vazio que circunda a estrela. Normalmente, o vácuo sugere-nos um espaço completamente vazio, onde a radiação viaja sem ser modificada. No entanto, em eletrodinâmica quântica – a teoria do vácuo que descreve a interação entre fotões de luz e partículas carregadas, tais como eletrões – o espaço encontra-se repleto de partículas virtuais que aparecem e desaparecem a todo o momento. Campos magnéticos muito intensos podem modificar este espaço, de tal maneira que este afeta a polarização da radiação que passa através dele.

Mignani explica: “De acordo com a eletrodinâmica quântica, um vácuo altamente magnetizado comporta-se como um prisma no que diz respeito à propagação da radiação, um efeito conhecido por birrefringência do vácuo”.

Entre as muitas previsões da eletrodinâmica quântica, a birrefringência do vácuo não teve ainda uma demonstração experimental. Tentativas de detetar este efeito em laboratório não deram qualquer resultado nos 80 anos que passaram desde a publicação do artigo científico de Werner Heisenberg (famoso pelo princípio de incerteza) e Hans Heinrich Euler.

“Este efeito pode ser apenas detetado na presença de campos magnéticos extremamente fortes, tais como os existentes em torno de estrelas de neutrões, o que mostra, uma vez mais, como as estrelas de neutrões são laboratórios valiosos para o estudo das leis fundamentais da natureza”, diz Roberto Turolla (Universidade de Pádua, Itália).

Primeiro resultado observacional

Após análise cuidada dos dados VLT, Mignani e a sua equipa detetaram polarização linear – com um grau significativo de cerca de 16% – que pensam ser provavelmente devida ao efeito de birrefringência do vácuo a ocorrer no espaço vazio que rodeia RX J1856.5-3754.

Vincenzo Testa (INAF, Roma, Itália) comenta: “Até à data, este é o objeto mais ténue para o qual foi medido um valor de polarização. Foi necessário utilizar um dos maiores e mais eficientes telescópios do mundo, o VLT, e técnicas de análise de dados precisas para aumentar o sinal emitido por uma estrela tão fraca”.

“A alta polarização linear que medimos com o VLT não pode ser explicada facilmente pelos nossos modelos, a menos que incluamos o efeito de birrefringência do vácuo previsto pela eletrodinâmica quântica”, acrescenta Mignani.

“Este estudo do VLT é o primeiro resultado observacional que vai ao encontro às previsões deste tipo de efeitos da eletrodinâmica quântica, originados por campos magnéticos extremamente fortes”, diz Silvia Zane (UCL/MSSL, Reino Unido).

ESO

Imagem composta a cores do céu em torno da solitária estrela de neutrões RX J1856.5-3754 (no centro da imagem) e da nebulosa em forma de cone que lhe está associada

Mignani está entusiasmado com os avanços, nesta área de estudo, que poderão vir de observações feitas com telescópios mais avançados: “Medições de polarização com a nova geração de telescópios, tais como o E-ELT (European Extremely Large Telescope) do ESO, podem desempenhar um papel crucial em testes de previsões da eletrodinâmica quântica de efeitos de birrefringência do vácuo em torno de muitas mais estrelas de neutrões”.

“Estas medições, feitas agora pela primeira vez no visível, abrem também o caminho a medições semelhantes serem feitas em raios-X“, acrescenta Kinwah Wu (UCL/MSSL, Reino Unido).

CCVAlg

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