Os astronautas das missões Apollo trouxeram da Lua uma “máquina do tempo”

NASA Johnson

O astronauta John W. Young recolhe amostras de rególito lunar.

Amostras recolhidas da superfície da Lua pela tripulação da Apollo 16, há mais de 50 anos, ajudaram os cientistas a reconstruir milhares de milhões de anos de história lunar.

As conclusões da equipa de investigação, apresentadas num artigo recentemente publicado na revista Meteoritics & Planetary Science, baseiam-se na análise de um conjunto distinto de brechas lunares que nunca antes tinham sido examinadas em pormenor.

Os astronautas John Young, Charles Duke e Ken Mattingly trouxeram para a Terra mais de 95 kg de amostras da Lua, após a sua missão às terras altas de Descartes, em 1972.

Entre essas amostras estavam “brechas de rególito“, que se formam quando a poeira lunar – ou rególito – é fundida em rocha por impactos de asteroides.

Uma vez fundidas numa rocha, estas brechas preservam a composição geoquímica do rególito no momento da sua formação, que pode ser cuidadosamente analisada para obter pistas sobre como e quando foram criadas.

O aspeto característico da Lua, com muitas crateras, é o resultado de inúmeras colisões com asteroides desde a sua formação, há cerca de 4,5 mil milhões de anos. Com uma história tão extensa, a questão do que aconteceu e quando aconteceu torna-se rapidamente complicada.

No novo estudo, uma equipa de investigadores do Reino Unido e dos EUA usou técnicas analíticas sofisticadas de espetrometria de massa para analisar a composição dos gases retidos em amostras de lascas mais pequenas, conhecidas como “brechas tipo solo“.

Estas amostras, que se encontravam entre as que foram recolhidas da superfície da Lua pela tripulação da Apollo 16, nunca tinham sido sujeitas a espetrometria de massa.

O autor principal do artigo, Mark Nottingham, que liderou a investigação enquanto trabalhava na Universidade de Manchester, juntou-se entretanto à Escola de Ciências Geográficas e da Terra da Universidade de Glasgow.

“A espetrometria de massa, que identifica moléculas em amostras e quantifica a sua abundância relativa, pode ajudar-nos a determinar quanto tempo as amostras passaram expostas à superfície da Lua ou perto dela. Isso ajuda-nos a ter uma ideia mais clara da história dos impactos nesta área específica da Lua”, diz Nottingham.

Os resultados da equipa ajudam os cientistas a compreender melhor a forma como a superfície da Lua foi alterada pelo vento solar e violentamente atingida por asteroides ao longo de mais de dois mil milhões de anos.

“Ao longo do tempo em que as amostras estiveram na superfície da Lua como rególito, foram expostas a quantidades variáveis de vento solar – partículas carregadas que fluem do Sol e que também transportam vestígios de gases nobres como o árgon e o xénon”, explica o investigador.

“Estas partículas acumularam-se nas camadas exteriores dos seus grãos minerais durante milhões de anos antes de serem atingidas por um asteroide”, acrescenta.

A história da Lua é também a história da Terra – o registo dos bombardeamentos de asteroides gravados na sua face e sob a sua superfície pode ajudar-nos a compreender as condições do Sistema Solar primitivo que formou o nosso planeta, bem como o seu vizinho mais próximo.

“Ao contrário da Terra, porém, a história da Lua está encerrada em cápsulas de tempo geológico na sua superfície, intocada pela tectónica de placas ou pela erosão, o que nos permite utilizar tecnologia de ponta como a espetrometria de massa para desvendar os seus segredos”.

A investigação poderá também ajudar futuras missões lunares tripuladas a identificar recursos naturais valiosos para ajudar as bases lunares a serem autosustentáveis.

Estudos anteriores tinham analisado os traços de gases nobres em fragmentos maiores das amostras de brecha da Apollo 16, ajudando os investigadores a separar as amostras em dois grupos: “antigas”, com idades entre 3,8 e 2,4 mil milhões de anos, e “jovens”, que se formaram há 2,5-1,7 mil milhões de anos.

A NASA forneceu aos investigadores 11 amostras da Lua para análise. Nove das amostras revelaram uma grande variedade de idades de exposição, desde há 2,5 mil milhões de anos até há menos de mil milhões.

Isto sugere que são constituídas por solo lunar de uma área que teve uma história variada de impactos, em que algumas foram expostas ao vento solar durante milhares de milhões de anos, enquanto outras foram arrastadas para a superfície por impactos mais recentes.

A equipa também descobriu que duas das amostras tinham concentrações muito mais baixas de gases nobres, o que sugere que foram formadas muito mais recentemente, e que talvez tenham sido expostas ao vento solar durante menos de um milhão de anos. A equipa sugere que o impacto que formou a cratera vizinha South Ray poderá ter sido a fonte dessa amostra.

Este estudo estabelece pela primeira vez que as brechas semelhantes a solo são uma categoria distinta, com as suas próprias histórias para partilhar”, explica Nottingham.

“Em combinação com a análise das rochas antigas e jovens recuperadas pela Apollo 16, podemos construir uma imagem muito mais completa da história desta parte da Lua durante os primórdios do Sistema Solar, onde os impactos mais fortes na superfície lunar nos seus primeiros milhares de milhões de anos deram lugar a períodos menos intensos a partir de há cerca de dois mil milhões de anos”, acrescenta.

A investigação poderá também ajudar a informar os esforços em curso para enviar futuras missões à Lua num futuro próximo, como o programa Artemis da NASA, que planeia estabelecer habitats lunares humanos a longo prazo.

Um dos desafios do estabelecimento de habitats de longa duração para os seres humanos na Lua é a tomada de decisões sobre a forma como podemos utilizar os recursos naturais que aguardam as futuras missões, para que não tenham de transportar da Terra tudo o que necessitam”, diz Nottingham.

“Estudos como este aumentam a nossa base de conhecimentos sobre onde se podem encontrar elementos úteis, como os gases nobres, no rególito lunar, e qual a sua abundância”, detalha o investigador.

“É notável pensar que as amostras que a Apollo 16 trouxe há mais de meio século ainda têm segredos a revelar sobre a história da Lua e que podem ainda ajudar a moldar a forma como exploramos o Sistema Solar nas próximas décadas”, conclui.

// CCVAlg

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