Talvez já tenha ouvido dizer que os astronautas removem o apêndice antes de deixarem a Terra. Afinal, diz-se que podemos viver sem este órgão, porque não serve para nada. Mas quanta verdade há por trás desta crença?
Comecemos por localizá-lo. O apêndice é uma pequena bolsa em forma de dedo localizada onde o intestino delgado se junta ao intestino grosso, no ceco.
A inflamação e infeção do apêndice, conhecida como apendicite, pode levar à rutura do órgão e subsequente infeção generalizada (peritonite). Se não for tratada, pode tornar-se fatal.
Em algumas missões de longa duração para áreas remotas e isoladas – como as missões científicas na Antártida ou no espaço – os participantes eram anteriormente obrigados a submeter-se a cirurgia de remoção do apêndice (apendicectomia) antes da partida.
Isto justificava-se pelo acesso limitado a instalações médicas e pelas dificuldades em evacuar pessoas destas áreas remotas em caso de emergência médica, explica o professor de microbiologia espanhol Ignacio López-Goñi num artigo publicado no The Conversation.
Assim, remover o apêndice antes da partida dos astronautas elimina qualquer risco de apendicite e as suas complicações associadas durante a missão, ajudando assim a garantir a segurança e o bem-estar dos envolvidos.
Aparentemente, não havia desvantagens, embora saibamos agora que na verdade não é esse o caso.
Para os nossos antepassados, o apêndice provavelmente evoluiu para ajudá-los a digerir uma dieta rica em vegetais crus e celulose, como ainda acontece em muitos mamíferos herbívoros.
Há milhares de anos, funcionaria como uma extensão do ceco, envolvido na digestão bacteriana de materiais vegetais fibrosos.
À medida que a dieta humana se diversificou, tornando-se mais rica em proteínas animais e alimentos cozinhados ou fermentados mais digeríveis, houve menos necessidade de um ceco volumoso e de um apêndice funcional para digerir a celulose.
Como resultado, o apêndice reduziu de tamanho e perdeu a sua função digestiva original. Por esta razão, tem sido considerado durante muito tempo apenas um órgão vestigial — uma parte do corpo que foi útil na altura mas da qual podemos prescindir hoje.
Um regulador do microbioma
O apêndice é no entanto um componente importante da função imunitária, especialmente no início da vida. Atua como um órgão linfoide semelhante às placas de Peyer no intestino, e contribui para a maturação dos linfócitos B (uma variedade de glóbulos brancos) e a produção de anticorpos (imunoglobulina do tipo A), que são cruciais para controlar a densidade e qualidade da microbiota intestinal.
Além disso, o próprio apêndice contém uma microbiota muito diversa e variada, incluindo bactérias como Firmicutes, Proteobacteria, Bacteroidetes, Actinobacteria e Fusobacteria.
Esta diversidade é distinta de outras partes do trato gastrointestinal, sugerindo que tem um papel especializado. A remoção do apêndice tem sido associada a uma redução na diversidade bacteriana intestinal.
As pessoas que foram submetidas a uma apendicectomia apresentam uma quantidade reduzida de bactérias benéficas produtoras de ácidos gordos de cadeia curta, incluindo Roseburia, Barnesiella, Butyricicoccus, Odoribacter e Butyricimonas. Esta redução na diversidade microbiana pode levar a disbiose intestinal e potencialmente aumentar a suscetibilidade a várias doenças.
Por outro lado, a apendicectomia também tem sido associada a um aumento na diversidade fúngica no intestino.
Esta alteração no ecossistema microbiano sugere que o apêndice pode desempenhar um papel no equilíbrio entre as populações bacterianas e fúngicas, potencialmente atuando como um reservatório de microbiota intestinal comensal que repovoam o cólon após a exposição a agentes patogénicos ou tratamento com antibióticos.
O apêndice pode assim desempenhar ainda um papel na proteção do sistema gastrointestinal contra agentes patogénicos invasores.
Isto explicaria por que a remoção cirúrgica do apêndice tem sido associada a um pior prognóstico para infeção recorrente por Clostridioides difficile, e a um risco aumentado de doença inflamatória intestinal e colite ulcerosa.
Pode até estar relacionado com o aumento da incidência de outras condições como doenças cardíacas e doença de Parkinson. O papel do apêndice na manutenção da diversidade microbiana parece, portanto, ser afinal um órgão crítico para a saúde geral.
E então os astronautas?
Embora a remoção do apêndice se tenha tornado um procedimento bastante rotineiro, não podemos ignorar os seus riscos potenciais.
Em primeiro lugar, há os riscos inerentes a qualquer cirurgia – as infeções pós-operatórias podem ocorrer em qualquer procedimento cirúrgico, e as apendicectomias não são exceção.
A hemorragia é outra possível complicação que pode surgir durante ou após a remoção e, em casos raros, o sangramento pós-operatório pode exigir transfusões de sangue. Além disso, uma apendicectomia é geralmente realizada sob efeito anestesia geral, o que acarreta o seu próprio conjunto de riscos adicionais.
Mas como acabámos de ver, o apêndice também desempenha um papel significativo na regulação do microbioma intestinal, contribuindo para a sua diversidade. É por essa razão que a remoção do apêndice como medida preventiva já não é recomendada para astronautas.
A NASA está ciente de que os riscos potenciais associados a tal intervenção superam os seus benefícios, e prefere focar-se na manutenção da saúde geral dos astronautas enquanto fornece o apoio médico necessário durante as missões espaciais.