Em novembro último, após subir ao palco pela última vez, a propósito dos seus 80 anos de carreira, a atriz afirmou que ali havia sido feliz, em tudo o que fez.
A atriz Eunice Muñoz morreu, esta sexta-feira, no Hospital de Santa Cruz, em Lisboa, aos 93 anos, revelou à agência Lusa o filho da atriz. Nascida na Amareleja, no distrito de Beja, em 1928, Eunice Muñoz completou em novembro 80 anos de carreira.
A estreia de Eunice Muñoz aconteceu exatamente no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, em 28 de novembro de 1941, na peça “Vendaval”, de Virgínia Vitorino, com a Companhia Rey Colaço/Robles Monteiro, que aí se encontrava sediada.
Filha e neta de atores de teatro e de artistas de circo, ao longo da carreira Eunice Muñoz entrou em perto de duas centenas de peças, trabalhou com cerca de uma centena de companhias, segundo a base de dados do Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e, no cinema e na televisão, o seu nome está associado a mais de oito dezenas de produções de ficção, entre filmes, telenovelas e programas de comédia.
Em abril do ano passado, Eunice Muñoz foi condecorada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, cerca de três anos depois de ter recebido a Grã Cruz da Ordem de Mérito.
Ao longo de 2021, contracenou com a neta Lídia Muñoz, na peça “A margem do tempo”, em diferentes palcos do país, numa digressão que culminou no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, em 28 de novembro, exatamente 80 anos após a sua estreia. No final da sessão, a que assistiram o primeiro-ministro, António Costa, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, e a ministra da Cultura, Graça Fonseca, foi prestada uma homenagem à atriz.
“Este teatro foi a minha casa durante muito anos, fui feliz no palco, em tudo o que cá fiz”, afirmou então Eunice Muñoz, no final da sessão. “Agradeço sobretudo a vocês, ao público, que me acarinhou, que me aplaudiu desde que comecei, até agora que comemoro os meus 80 anos de carreira”, salientou.
“O teatro precisa de nós, de nós no palco e de vocês que recebem o melhor que temos para dar”, acrescentou ainda Eunice Muñoz, concluindo que, “apesar dos dias estranhos e difíceis, o belo continua a existir”.
“Uma referência nacional, respeitada por todos os portugueses”
Ao início da manhã, ainda antes de acompanhar a partida dos militares portugueses para a Roménia, Marcelo Rebelo de Sousa reagiu à morte da atriz numa “emocionada homenagem”, agradecendo as “décadas inesquecíveis”, em nome de todos os portugueses. “É profundamente consternado que tomo conhecimento da morte de Eunice Muñoz, uma referência nacional, admirada e respeitada por todos os portugueses.
“Portugal está de luto. Habituámo-nos à ideia de Eunice Munõz era eterna. Fisicamente não é. Resistiu a uma, duas, três, quatro crises de saúde. Mas é eterna no nosso espírito e não a esqueceremos”, afirmou o chefe de Estado. O Presidente da República afirmou ainda que Eunice Muñoz marcou a vida dos portugueses “ao longo de muitas décadas”.
“Em nome de todos os portugueses, queria agradecer-lhe uma vida dedicada ao teatro, mas também ao cinema, à televisão e à cultura em Portugal. Uma vida dedicada aos portugueses. Não a esquecemos, nunca a esqueceremos, estará sempre no nosso coração”, acrescentou.
O presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, descreveu Eunice como “a inigualável senhora dos palcos portugueses”. “Sem ela, a nossa cultura teria sido mais pobre. Honremos a sua memória, continuando a celebrar o teatro,”
António Costa recorreu ao Twitter para expressar o seu pesar. “Eunice Muñoz marcou de forma definitiva o teatro português, trabalhando com os mais importantes encenadores e companhias, sem nunca deixar de se renovar, de se reinventar, de conquistar gerações sucessivas.” Para o primeiro-ministro, “a comunhão com o público foi uma constante ao longo da sua carreira, crente de que o teatro só faz sentido se for feito em função dos outros“. “Eunice, muito obrigada por tudo o que fez pelo teatro e pela cultura portuguesa”, finalizou.
O Governo vai decretar luto nacional no dia do funeral da atriz , anunciou o Ministério da Cultura.
Também Pedro Adão e Silva, ministro da Cultura, realçou a proximidade entre a atriz e os portugueses, acrescentando que Eunice continuará a ter todos os aplausos que recebeu em vida. “Neste momento devemos-lhe o mesmo aplauso que sempre lhe oferecemos, um aplauso de certa forma eterno”.
“Foi um privilégio para Portugal e para os portugueses ter uma atriz como Eunice Muñoz. Tinha um talento quase natural e um dom único para a representação e, por isso mesmo, para nós todos, a vida da Eunice Muñoz confunde-se com os palcos e com o teatro, é uma espécie de relação íntima que todos fomos desenvolvendo com a mulher doce e afável”.
No mundo artístico, destacam-se as reações dos diretos artísticos dos principais teatros portugueses. Pedro Penim, diretor do Teatro Nacional D.Maria II, onde Eunice Muñoz se estreou, afirmou ter sido um “privilégio enorme ter estado com ela”. Estava feliz. O teatro abanava quando a Eunice chegava. As pessoas mudavam de atitude. Toda a atividade do teatro parecia que se mexia quando se aproximava. Isso é uma razão para perceber que a história daquele teatro se confunde com a história de Eunice”.
Na opinião do também ator, a morte de Eunice é uma perda irreparável. “Todos os portugueses têm hoje motivos para hoje se sentirem muito tristes.” O responsável lembrou ainda a última subida ao palco de Eunice Muñoz.
“Disse-me que estava muito feliz. Ficou a olhar muito tempo para o palco, para a plateia, esteve a fazer um reconhecimento do palco em silêncio. Foi um momento muito cerimonial, muito bonito, como se fosse esse regresso a um sítio a que se pertence e parecia que o próprio teatro se tinha silenciado para receber a D. Eunice naquele palco. Depois, durante a cerimónia, percebeu-se que estava muito contente”, lembrou, citado pelo Observador.
Diogo Infante, diretor artístico do Teatro da Trindade, lembrou Eunice como a “maior atriz portuguesa de todos os tempos”, dizendo-se “desolado” com a notícia desta manhã. “O seu lugar há muito que está reservado nos anais da história. A maior atriz portuguesa de todos os tempos”, descreveu numa publicação deixada na sua página de Facebook. Reconheceu também o “enorme privilégio de ter feito parte” da sua vida.
ZAP // Lusa