Há muitos animais que parecem compreender a linguagem humana. Mas será que a ciência está em condições de comprovar isso?
Os estudos de linguagem animal com primatas, aves, golfinhos e outros animais floresceram durante a segunda metade do século XX.
Embora muitos animais sejam hábeis a captar pistas contextuais, como a linguagem corporal e o tom de voz, é pouco claro se compreendem o significado das palavras ou caraterísticas mais complexas da linguagem, como a gramática.
Ainda assim, atualmente, a investigação começa a sugerir que, com treino, alguns animais podem compreender certas caraterísticas da linguagem humana, como o som e o significado de palavras específicas.
À Live Science, o professor de antropologia evolutiva na Universidade de Zurique Simon W. Townsend diz que “estamos cada vez mais próximos de descobrir se existem semelhanças entre os sistemas de comunicação dos animais e dos humanos”.
Uma das experiências de linguagem animal mais famosas envolve Koko, uma gorila fêmea da planície ocidental que aprendeu a linguagem de sinais americana modificada (ASL). Koko, que morreu em 2018, era capaz de usar cerca de 1.000 sinais e responder a mais de 2.000 palavras em inglês falado.
No entanto, os especialistas sempre alertaram que há uma grande diferença entre aprender alguns sinais modificados e realmente dominar a ASL.
Koko nunca esteve perto de ser fluente em linguagem gestual.
Townsend refere que a linguagem humana é mais do que usar apenas símbolos. Envolve também a combinação desses símbolos em estruturas maiores para criar um significado mais complexo – uma caraterística da linguagem chamada sintaxe.
Noutro exemplo temos Kanzi, um bonobo macho (Pan paniscus) que viveu entre 1980 e 2025 e que detém o título de maior capacidade linguística de um primata.
Kanzi também compreendia algum inglês falado. Num estudo de 1993, os investigadores repararam que, quando o bonobo ouvia ordens novas, o bonobo conseguia completar a tarefa pedida cerca de três em cada quatro vezes, superando o desempenho de uma criança de 2,5 anos.
Os cães são diferenciados
A maioria dos animais não tem qualquer razão evolutiva para se preocupar com a linguagem humana.
No entanto, os cães, que vivem ao nosso lado há pelo menos 14.000 anos, têm uma motivação especial para ouvir os seus donos e responder de forma adequada. Quer entendam o que dizemos quer não, os cães estão bem sintonizados com os sons e tons de voz específicos que os humanos utilizam para comunicar.
De facto, os cães estão tão habituados às vozes humanas que conseguem perceber quando o discurso foi baralhado; e a investigação neurocientífica sugere mesmo que os cães têm as suas próprias representações mentais das palavras, o que sugere uma compreensão profunda do que queremos dizer.
A Live Science dá o exemplo de Chaser, um border collie altamente treinado, conhecido como o “cão mais inteligente do mundo”, que aprendeu mais de 1.000 palavras. De acordo com um estudo de 2011, ele conseguia diferenciar frases como “traz a meia para a bola” e “traz a bola para a meia”.
O que diz a ciência?
Federico Rossano, professor associado de ciências cognitivas na Universidade da Califórnia, em San Diego, tem dedicado o seu tempo de trabalho a investigar as capacidades linguísticas dos nossos companheiros caninos.
Em 2024, Rossano provou que os cães respondem aos sons reais das palavras e não apenas ao seu contexto, como o facto de o dono calçar os sapatos e dizer que está na hora de sair.
Num estudo com 59 cães, os caninos ouviram palavras relacionadas com “fora”, “brincar” e “comida”, bem como uma palavra sem sentido para servir de comparação. O investigador usava auscultadores para que as suas reações e linguagem corporal não afetassem as respostas dos cães.
Mesmo sem estas pistas contextuais, a equipa descobriu que, quando os cães ouviam as gravações que relacionavam “exterior” e “brincar”, tinham tendência para começar a exibir comportamentos relacionados com a ida para o exterior ou com a brincadeira, respetivamente, como correr para a porta ou agarrar um brinquedo.
Ainda assim, outros estudos teorizam que os cães não conseguem distinguir entre palavras que diferem por um único som, como “sentar” e “definir”, pelo que pode haver um limite para a sua capacidade de compreensão.
Rossano admite que começou a investigação com algum ceticismo, mas a sua opinião sobre as capacidades linguísticas dos cães mudou “a 100%” desde então: “Talvez haja mais mente do que aquela que lhes damos crédito”.