Histórico: superpacote de defesa aprovado na Alemanha

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CLEMENS BILAN/EPA

O presidente do partido e da fação União Democrata-Cristã (CDU), Friedrich Merz.

Proposta vai folgar “travão da dívida” para criar fundo de mil milhões para infraestruturas e aumentar despesas com defesa. Votação foi vista como um teste de força para um futuro governo liderado por Friedrich Merz.

O Parlamento da Alemanha aprovou esta terça-feira uma proposta histórica para afrouxar o “travão da dívida” do país e criar um superpacote de despesas na defesa e infraestruturas, com 513 votos a favor da alteração e 207 contra — eram necessários dois terços dos 733 deputados do Bundestag para aprovar a alteração constitucional.

A votação foi vista como crucial para viabilizar uma futura coligação governamental sob a liderança do conservador Friedrich Merz, líder da União Democrata-Cristã (CDU).

As bancadas da CDU, do Partido Social-Democrata (SPD) e do Partido Verde votaram maioritariamente a favor; já os deputados do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) e do fiscalmente conservador Partido Liberal-Democrata (FDP, na sigla em alemão) votaram contra.

“Não aos créditos para a guerra”: pacote é polémico

A votação foi antecedida por intensos debates. Nos últimos dias, vários partidos da oposição tentaram acionar o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha para travar a votação, argumentando que uma alteração constitucional de tal magnitude não deveria ocorrer na reta final da atual legislatura do Bundestag. No entanto, o Tribunal rejeitou os pedidos.

Ainda assim, membros de partidos críticos da reforma constitucional manifestaram a sua insatisfação nos debates que precederam a votação desta terça-feira. Deputados do pequeno partido populista de esquerda BSW chegaram a protestar com cartazes no plenário, com mensagens como “1914-2025: Não aos créditos para a guerra”.

Merz e a CDU, juntamente com o seu parceiro bávaro, a União Social-Cristã (CSU), e o SPD, anunciaram o plano no início do mês, com o objetivo de que fosse aprovado ainda nesta legislatura, ou seja, antes da tomada de posse do novo Parlamento, a 25 de março.

A estratégia foi delineada devido ao receio dos conservadores e dos sociais-democratas – que atualmente negoceiam a formação de uma coligação governamental – de que o plano fosse bloqueado na nova legislatura pela extrema-direita da AfD e pelo partido A Esquerda, que aumentaram a sua representação no Bundestag e terão lugares suficientes para travar reformas constitucionais desta dimensão.

Ainda assim, as bancadas da CDU/CSU e do SPD precisavam de alianças adicionais nesta legislatura, uma vez que não dispunham da maioria de dois terços necessária para alterar a regra.

O impasse foi ultrapassado na última sexta-feira, quando Merz anunciou que o Partido Verde, atualmente a terceira maior bancada, havia decidido apoiar a iniciativa, após a resistência inicial.

Com as bancadas somadas, o conjunto de partidos conseguiu reunir deputados em número suficiente para alterar o “travão da dívida”, em vigor desde 2009 e que tem vindo a limitar severamente a capacidade de endividamento do país.

A alteração vai modificar os limites de endividamento para aumentar as despesas com defesa e prevê ainda uma folga no travão da dívida para os estados federais, bem como a criação de um fundo especial de 500 mil milhões de euros para investimentos em infraestruturas ao longo dos próximos dez anos.

Agora, a proposta ainda terá de passar pelo Bundesrat, a instituição legislativa com 69 membros que representam os governos dos 16 estados federais da Alemanha. Também aqui será necessário um mínimo de dois terços dos votos. A expectativa é que a votação ocorra na próxima sexta-feira.

Merz cedeu: a cronologia

A reforma do “travão da dívida” representa uma inversão das regras de endividamento impostas após a crise financeira global de 2008, adotadas pela então chanceler federal Angela Merkel em 2009. De acordo com a proposta, qualquer despesa militar superior a 1% do PIB ficará isenta do travão.

Durante a campanha eleitoral, Merz foi ambíguo quanto à sua intenção de reformar o travão da dívida, com alguns líderes do seu partido a manifestarem-se abertamente contra a medida.

A falta de consenso sobre a flexibilização dos limites de endividamento do governo federal foi um dos principais fatores que levaram ao colapso da coligação governamental do atual chanceler federal, o social-democrata Olaf Scholz. Os liberais do FDP, que governavam com Scholz, rejeitavam a medida, enquanto os sociais-democratas e os verdes defendiam que era necessária para financiar investimentos em infraestruturas.

No entanto, após a campanha, Merz passou a enfatizar a urgência de aumentar as despesas com defesa, citando as crescentes hostilidades da Rússia e as incertezas sobre o apoio militar dos Estados Unidos à Europa.

Impacto no crescimento e na dívida

Economistas avisam que a alteração da regra poderá ter um impacto profundo na economia. Só o fundo de infraestruturas de 500 mil milhões de euros planeado pela Alemanha poderá aumentar a produção económica em mais de dois pontos percentuais por ano, em média, ao longo da próxima década, estimou o instituto económico alemão DIW.

A soma das despesas com defesa e infraestruturas poderá garantir um crescimento de 2,1% já em 2026, em vez dos 1,1% anteriormente previstos, indicou o DIW.

Outro instituto, o IfW, também reviu em alta a sua previsão de crescimento para 2026 na Alemanha, prevendo agora uma expansão de 1,5% devido ao aumento esperado das despesas públicas.

Já o instituto económico IMK, que ainda não atualizou as suas previsões, estima que a economia alemã registe apenas 0,1% de crescimento este ano, após dois anos consecutivos de contração em 2023 e 2024. No entanto, afirmou que as novas propostas podem fazer uma grande diferença.

“Se o pacote financeiro for implementado rapidamente, poderá registar-se uma aceleração significativa do crescimento já no segundo semestre do ano, e o crescimento anual poderá afastar-se da estagnação”, disse o diretor económico do IMK, Sebastian Dullien.

Por outro lado, os economistas também preveem que a relação dívida/PIB aumente significativamente nos próximos anos devido à reforma. No ano passado, a taxa de endividamento da Alemanha situou-se em cerca de 64% do produto interno bruto (PIB) — muito abaixo da de outros grandes países industrializados, como Estados Unidos e França.

Mas o economista-chefe do Commerzbank, Jörg Kraemer, espera que este nível aumente consideravelmente nos próximos anos – em cerca de 10 pontos percentuais – devido ao novo fundo especial para infraestruturas.

O aumento das despesas com defesa também deverá elevar ainda mais o índice da dívida, em pelo menos 2,5 pontos percentuais por ano se, por exemplo, o aumento atingir os 3,5% do PIB.

“Em dez anos, o índice geral de endividamento do governo poderá subir para 90%, embora isso também dependa da inflação e, por isso, não seja fácil de prever”, afirmou Kraemer.

// DW

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