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“Aldeia social” em Águeda permite a idosos viverem com liberdade e autonomia

Estela Silva / Lusa

Em Águeda, no distrito de Aveiro, há uma espécie de aldeia social habitada por 19 idosos que lhes permite que possam viver com alguma autonomia, em Mourisca do Vouga,

Em Águeda, no distrito de Aveiro, há uma espécie de aldeia social habitada por 19 idosos com alguma autonomia que não querem ir para um lar, um projeto que tem vindo a revelar-se um sucesso, em tempos de pandemia.

A ideia nasceu há cerca de sete anos quando a associação “Os Pioneiros” concluiu que “era preciso uma resposta social que antecedesse o lar e que desse a possibilidade de as pessoas serem autónomas, e terem a sua vida normal”.

“Nós chamamos-lhe Casinhas Autónomas, mas um antigo ministro que visitou a instituição de forma informal chamou-lhe aldeia social e eu acho que o nome se adequa bastante bem, porque isto, no fundo, é uma aldeia. As pessoas conhecem-se todas, interagem umas com as outras, e têm as suas tricas também, como numa aldeia”, disse José Carlos Arede, presidente da direção de “Os Pioneiros”.

Construída num terreno desta instituição particular de solidariedade social, sedeada em Mourisca do Vouga, a aldeia é composta por dez casas pré-fabricadas de madeira, separadas por poucos metros de distância e envolvidas por um extenso jardim e um pinhal. Em cada uma mora um casal ou duas pessoas do mesmo sexo.

Sentadas num pequeno alpendre em frente a uma das casas, encontramos Benilde da Glória Vidal, de 86 anos, e Emília de Jesus Antunes, de 85 anos. São as duas mais recentes moradoras das casinhas. Mudaram-se para aqui há quase dois anos, partilhando desde então a mesma casa.

“Vivia na minha casa sozinha. A minha filha não tem tempo para olhar por mim e pensei vir para estas casinhas. Se fosse para um lar com certeza não ia ainda”, diz Glória Vidal, enquanto abre a porta para nos mostrar o interior da habitação.

A moradia dispõe de uma cozinha, um quarto e uma casa de banho. O espaço é apertado, mas tem tudo o que é preciso. “Gosto de estar cá. Gosto muito da casinha, gosto do paraíso, gosto das pessoas, gosto de tudo”, disse.

“As pessoas quando chegam aqui ficam fascinadas, porque não vão perder a sua autonomia. Elas sentem que estão nas suas próprias casas”, realça José Carlos Arede, adiantando que atualmente há cerca de 30 pessoas na lista de espera.

O responsável sublinha que, nesta pandemia, a aldeia social veio a revelar-se “altamente funcional”, porque “as pessoas não estão todas ao monte”. “Hoje, num lar, as salas de espera são comuns, estão 20 a 30 pessoas. Aqui não. Cada um está na sua casinha e tem acesso a serviços médicos, refeições e lavandaria”, explica.

As casas são arrendadas por um preço que varia entre cerca de 100 euros e 850 euros. “Quando as pessoas não têm, não podem pagar. É conforme os rendimentos. Não queremos aqui uma coisa elitista”, disse José Carlos Arede.

A conversa é interrompida pela chegada de António de Oliveira Pinho, de 80 anos, que atravessa o jardim a pedalar na sua bicicleta. “Eu adoro andar de bicicleta. Faço uma média de 50 quilómetros por dia no verão, da parte da manhã. É costume andar de bicicleta pela vila. Às vezes paro num café e tomo um cafezinho, descanso um bocadinho e sigo de novo”, diz.

António de Oliveira Pinho, também conhecido por “Pauleta”, começou por ajudar a associação como voluntário e, há cerca de sete anos, mudou-se para as Casinhas Autónomas. A decisão surgiu após o divórcio da mulher.

Eu não gosto da solidão. Nós temos que andar, fazer exercício, falar com as pessoas e aqui temos isso tudo. Quando me apetece, saio para fazer petiscadas, beber uns copos com os amigos e jogar à sueca, porque eu gosto muito de jogar à sueca”, contou.

Este ex-jogador profissional de futebol e que esteve emigrado mais de 40 anos na África do Sul não se imagina a viver fechado num lar. “Quem é que quer ir para um lar? Ninguém. Espero é não ir para lá tão depressa. Quero ver se fujo de lá, ninguém gosta de ir para lá”, atira.

O presidente de “Os Pioneiros” lamenta que esta resposta social não esteja prevista na Lei, considerando que as casinhas desempenham um papel “imprescindível”, até porque a realidade dos idosos mudou muito nos últimos anos.

“Hoje os lares são quase unidades de cuidados continuados. As pessoas estão acamadas, muitas delas dementes, com alzheimer. Colocar alguém que esteja no seu estado perfeito, embora com alguma idade, num lar, é um absurdo”, disse.

Nos últimos anos, a instituição tem vindo a travar uma batalha jurídica para contestar uma contraordenação aplicada pela Segurança Social.

“Em 2015, tivemos uma inspeção da Segurança Social e disseram-nos que isto era um lar ilegal e foi-nos aplicada uma contraordenação de dez mil euros”, explicou.

A instituição impugnou a decisão junto do Tribunal do Trabalho de Águeda que manteve a coima, mas José Carlos Arede afirmou que vão recorrer desta decisão.

“Não podemos concordar com uma coisa daquelas. É uma injustiça tremenda. Eles não estão confinados a um lar. Fazem a sua vida normal. Alguns têm o carro lá fora, vão visitar os seus familiares. Portanto, isto não pode ser e nem nunca será um lar”, concluiu.

Mentor da primeira aldeia lar defende replicação

O mentor da primeira Aldeia Lar para idosos, implementada há 30 anos em Alcalar, em Portimão, defende a replicação do modelo em todo o país, de forma a manter as famílias unidas e dignificar a população envelhecida.

“Este é um modelo onde as pessoas têm a sua casinha, liberdade, autonomia e toda a assistência de que necessitam. Têm qualidade de vida. Por isso, só encontro no excesso de burocracia a razão para a inexistência de outras estruturas semelhantes em Portugal”, disse à reportagem da agência Lusa o padre jesuíta Domingos Costa, que iniciou o projeto na década de 80 do século passado.

Concluída em 1990, a aldeia social com 115 residentes foi edificada de raiz na freguesia da Mexilhoeira Grande, nos arredores de Portimão, numa área com mais de dois hectares [equivalente a dois campos de futebol] sendo composta por 52 apartamentos de tipologia T1, T2 e T3.

As moradias geminadas estão inseridas em dois blocos circulares, num complexo criado para “dar uma alternativa digna aos mais velhos” com serviços de apoio, entre os quais lavandaria, refeitório, salas de convívio, serviços médicos e de enfermagem e espaços ajardinados.

A construção da aldeia de São José de Alcalar foi financiada com doações das sociedades portuguesa e alemã, este último país onde o pároco da Mexilhoeira Grande estudou quatro anos e prestou serviços religiosos durante mais de 40 anos.

Domingos Costa disse à Lusa que “o sonho e a razão” que o levou a construir uma aldeia para idosos, foi para apoiar os mais pobres e de ver “famílias de pessoas em idade avançada com filhos deficientes e de viverem angustiados com medo de morrerem e de os deixarem abandonados”.

“Temos casos de pessoas deficientes que vieram para aqui com os pais e que ficaram depois da morte do pai e da mãe”, indicou.

Para o padre jesuíta, o que distingue este modelo para acolhimento de idosos, é o facto de ser uma aldeia com casas, jardins, passeios, liberdade, sem limitações de horários para os residentes receberem visitas, sem portões, onde cada um está na sua casinha, “ao contrário dos lares onde está tudo estabelecido e tudo regulado”.

Segundo Domingos Costa, a vida na aldeia é diferente da de um lar, porque os utentes têm toda a liberdade de movimentos: “Quem tem autonomia, pode fazer uma vida normal. Pode cozinhar e comer em casa ou ir buscar a comida e utilizar o refeitório. Para quem está acamado, as refeições são levadas a casa”.

Não fica ninguém ao abandono apesar de cada um ter a sua casinha, a sua chave”, frisou o pároco, acrescentando que “votadas ao abandono estavam elas [pessoas] em casa se não tivessem vindo para aqui”.

De acordo com o padre jesuíta, a prioridade na admissão à aldeia não é pela ordem de inscrição, mas sim pela necessidade e pela sua condição social, “sendo a prioridade dada a quem esteja mais abandonada, sem família ou que, por exemplo, sofreu um AVC [acidente vascular cerebral]”.

“Das mais de cem pessoas que estão em lista de espera, só da freguesia da Mexilhoeira Grande, algumas aguardam há cerca de dez anos, porque as outras passam à frente de todas elas, uma situação que não é bem vista pelos serviços da Segurança Social”, apontou.

Domingos Costa critica o Estado, considerando que o sistema da Segurança Social “está todo formatado, porque segundo eles, os critérios de admissão teriam de ser por ordem”.

Está tudo formatado, mas nós atendemos ao bem das pessoas, porque as normas e as leis são feitas para as pessoas e não as pessoas para as leis”, apontou.

Para Domingos Costa, as exigências “algumas sem sentido” das entidades do Estado, nomeadamente da Segurança Social que têm sido feitas na aldeia, “leva a pensar que existe uma perseguição organizada às instituições de solidariedade social”.

Uma das críticas que o padre aponta à Segurança Social “é a exigência e insistência constante para que sejam colocados portões e uma vedação na aldeia”, medida a que o pároco se opõe, “pois, se tal fosse feito, deixaria de ser uma aldeia e passaria a ser uma cadeia”.

Nós somos controlados, controlados, controlados. Se calhar é por isso que esta é a única aldeia que existe desde há 30 anos nestes moldes, apesar de por aqui terem passado muitas pessoas com intenção de replicar o modelo noutras zonas do país”, sustentou.

Domingos Costa acredita que o projeto “só se mantém em funcionamento” nos moldes iniciais por ser da igreja: “Caso contrário teríamos de estar sujeitos às normas que vêm todas do Estado e que, até se calhar, não autorizaria a construção de uma aldeia para pessoas idosas”.

“O Estado tem de amparar estas instituições. A burocracia mata tudo isto e veja-se o que está a acontecer com a política, com o absentismo, porque as pessoas desacreditam cada vez mais no sistema. Temos de ouvir a sociedade civil e as pessoas têm de deixar de ter medo de falar porque vivemos num país livre, ou isto é só um eufemismo de que temos liberdade? Onde é que está a democracia, a liberdade?”, questionou.

Na opinião do padre jesuíta, a terceira idade “continua a ser a classe mais marginalizada que há em Portugal” justificando a sua afirmação “com a morte de tantos idosos nos lares” durante a pandemia da covid-19.

Domingos Costa assegura que a alegria que tem hoje é a mesma com que iniciou o projeto, apesar do esforço financeiro que é preciso fazer para manter a aldeia de São José de Alcalar, o que tem sido feito com a ajuda da sociedade civil, tanto de portugueses como de estrangeiros.

“Não há um apoio e uma alegria das entidades do Estado em servir os outros e se fosse hoje não me metia nisto. Conheço muita gente que se meteu nisto e hoje está arrependida, ou seja, o Estado tende a matar as intervenções e iniciativas da sociedade civil. Só que a sociedade civil é anterior ao Estado, como a família é anterior ao Estado”, concluiu.

Sofia Teixeira Santos, ZAP // Lusa

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