A universidade que mudou o mundo, 500 anos antes de Oxford

Universidade de Nalanda

Espaço foi atacado por diversas vezes, até ser “descoberta” pelo arqueólogo escocês Francis Buchanan-Hamilton, em 1812.

Fundada em 427 d.C., Nalanda é considerada a primeira universidade residencial do mundo. Era o equivalente a uma instituição da atual Ivy League — o exclusivo grupo composto pelas oito melhores universidades dos Estados Unidos — que abrigava nove milhões de livros e atraiu 10 mil alunos do leste e do centro da Ásia.

Ali, os estudantes reuniam-se para estudar áreas medicina, lógica, matemática e, principalmente, princípios budistas com alguns dos eruditos mais conceituados da época. Como disse Dalai Lama, “a fonte de todo o conhecimento [budista] que temos veio de Nalanda”. Nalanda floresceu durante mais de sete séculos. Não havia outro lugar semelhante.

A instituição monástica é anterior à Universidade de Oxford, no Reino Unido, e à universidade mais antiga da Europa – a de Bolonha, em Itália – em mais de 500 anos. No entanto, a visão iluminada da filosofia e da religião de Nalanda tiveram um papel importante na moldagem da cultura asiática até muito depois do seu fim.

É interessante observar que os monarcas do Império Gupta, que fundaram a universidade monástica budista, eram devotos hindus, mas solidários ao budismo. Aceitavam o crescente fervor intelectual budista e os textos filosóficos da época.

As tradições culturais e religiosas liberais que evoluíram naquele reino formariam o centro do currículo académico multidisciplinar de Nalanda, que misturava o budismo intelectual e o conhecimento superior em diferentes campos.

O antigo sistema médico indiano do Ayurveda, baseado em métodos de cura naturais, foi amplamente ensinado em Nalanda e dali migrou para outras partes da Índia através dos seus alunos. Outras instituições budistas inspiraram-se no design do campus, com os pátios amplos rodeados por salas de oração e salões de leitura.

O estuque produzido em Nalanda também influenciou a arte eclesiástica da Tailândia, da mesma forma que a arte em metais migrou daqui para o Tibet e para a península malaia.

Mas talvez o legado mais profundo e duradouro de Nalanda seja o seu progresso na matemática e na astronomia. Especula-se que Aryabhata, considerado o pai da matemática indiana, tenha coordenado a universidade no século VI d.C.

“Acreditamos que Aryabhata tenha sido o primeiro a usar o número zero como dígito – um conceito revolucionário, que simplificou a computação matemática e ajudou a fazer evoluir métodos mais complexos, como a álgebra e o cálculo”, afirma a professora de matemática Anuradha Mitra, de Calcutá, na Índia. “Sem o zero, não teríamos computadores.”

“Também desenvolveu trabalhos pioneiros na extração da raiz quadrada e cúbica e na aplicação de funções trigonométricas à geometria esférica”, acrescenta a professora. “E também foi o primeiro a atribuir a radiação da Lua à luz refletida do Sol.”

O trabalho de Aryabhata influenciaria profundamente o desenvolvimento da matemática e da astronomia no sul da Índia e em toda a península arábica.

A universidade enviava regularmente alguns dos seus melhores estudantes e professores para locais como a China, Coreia, Japão, Indonésia e Sri Lanka. Lá, os docentes propagavam os ensinamentos e a filosofia budista. Este verdadeiro programa pioneiro de intercâmbio cultural ajudou a difundir e moldar o budismo em toda a Ásia.

O que restou da destruição

Os restos arqueológicos de Nalanda são agora Patrimônio Mundial da Unesco.

Nos anos 1190, a universidade foi destruída por tropas invasoras e saqueadores, liderada pelo general militar turco-afegão Bakhtiyar Khilji. Este tentou eliminar o centro de conhecimento budista durante sua conquista do norte e leste da Índia. Estima-se que, devido às dimensões, o fogo ateado pelos invasores prolongou-se por três meses.

Hoje, o local escavado, de 23 hectares, representa provavelmente uma fração do campus original, mas caminhar através dos seus inúmeros templos e monastérios transmite uma ideia do quão fabuloso foi estudar neste local .

Como nas universidades de elite de hoje em dia, ser admitido era difícil. Os candidatos a estudantes precisavam passar por uma rigorosa entrevista oral com os principais professores de Nalanda.

Os felizes aprovados estudavam com um grupo eclético de professores de diferentes partes da Índia, coletivamente supervisionados pelos mais reverenciados mestres budistas da época, como Dharmapala e Silabhadra.

Os nove milhões de manuscritos em folhas de palma da biblioteca formavam o mais rico repositório de sabedoria budista do mundo. Uma das três construções que abrigavam a biblioteca foi descrita pelo acadêmico budista tibetano Taranatha como uma construção de nove andares “elevando-se até as nuvens”.

Poucos foram os volumes de folhas de palma e capas de madeira pintadas que sobreviveram ao incêndio, levados pelos monges na fuga. Atualmente podem ser encontrados no Museu de Arte do Condado de Los Angeles, nos Estados Unidos, e no Museu Yarlung, no Tibete.

O aclamado monge budista e viajante chinês Xuanzang estudou e lecionou em Nalanda. Quando voltou à China, em 645 d.C., levou um carregamento de 657 escrituras budistas da universidade.

Xuanzang tornar-se-ia um dos acadêmicos budistas mais influentes do mundo. Traduziu para o chinês parte desses volumes, para criar o tratado da sua vida, cuja ideia central era que todo o mundo é apenas uma representação da mente.

O seu discípulo japonês, Dosho, introduziria posteriormente a doutrina no Japão, difundindo-a ainda mais pelo mundo sino-japonês, onde se tornaria uma das principais religiões. Por isso, Xuanzang é considerado “o monge que trouxe o budismo para o Oriente”.

Na descrição de Nalanda feita por Xuanzang, o monge mencionou o Grande Pagode – um enorme monumento construído em memória de um dos principais discípulos de Buda. Diversos templos pequenos e pagodes de adoração marcam o terraço pavimentado que rodeia o templo de 30 metros de altura, adornado por belas imagens de estuque nos nichos das paredes externas.

“O Grande Pagode, na verdade, é mais antigo que a universidade e foi construído no século III d.C. pelo imperador Ashoka. A estrutura foi reconstruída e remodelada diversas vezes, ao longo de oito séculos”, afirma a professora de história Anjali Nair, de Mumbai, na Índia.

“Estes pagodes de adoração contêm as cinzas dos monges budistas que viveram e morreram aqui, dedicando toda a sua vida à universidade”, acrescenta.

Mais de oito séculos após o desaparecimento de Nalanda, alguns acadêmicos contestam a teoria amplamente defendida de que o local foi destruído porque Khilji e suas tropas acharam que os ensinamentos desafiavam o islamismo.

Derrotar o budismo pode ter sido uma motivação importante por trás do ataque, mas um dos arqueólogos pioneiros da Índia, H. D. Sankaliya, escreveu no seu livro The University of Nalanda (“A Universidade de Nalanda”, em tradução livre), publicado em 1934, que a aparência de fortaleza e as histórias da riqueza já eram razões suficientes para que os invasores considerassem a universidade como um ponto lucrativo para um ataque.

“Sim, é difícil atribuir uma razão definitiva para a invasão”, segundo Shankar Sharma, diretor do museu local que exibe 350 artefatos das mais de 13 mil antiguidades preservadas no museu, recuperadas durante as escavações em Nalanda, como esculturas de estuque, estatuas de Buda feitas de bronze e peças de ossos e marfim.

“Mas não foi o primeiro ataque a Nalanda”, lembra Sharma. “O espaço foi atacado pelos hunos liderados por Mihirkula no século V e novamente sofreu severos danos com a invasão do rei Gauda de Bengala, no século VIII.”

Os hunos chegaram para pilhar, mas é difícil saber se o segundo ataque, do rei de Bengala, foi resultado do crescente antagonismo existente na época entre a seita hindu, o xivaísmo, e os budistas. Nas duas ocasiões, as construções foram restauradas e as instalações foram ampliadas após os ataques, com patrocínio dos governantes.

“Na época em que Khilji invadiu este templo sagrado do saber, o budismo, de forma geral, estava em declínio na Índia”, recorda Sharma. “Com a sua degeneração interna, aliada ao declínio da dinastia budista Pala que havia patrocinado a universidade desde o século VIII d.C., a terceira invasão foi o golpe final.”

Nos seis séculos que se seguiram, Nalanda caiu gradualmente no esquecimento, permanecendo enterrada até ser “descoberta” pelo arqueólogo escocês Francis Buchanan-Hamilton, em 1812, e posteriormente identificada como a antiga Universidade de Nalanda por Alexander Cunningham, em 1861.

ZAP // BBC

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