As taxas de miopia estão a aumentar em todo o mundo, de década para década. Mas as soluções para esta epidemia podem ser mais nítidas do que pensamos.
No final dos anos 70, era bastante invulgar ver uma criança precisar de óculos. No entanto, nos últimos 30 anos, registou-se um aumento da miopia, especialmente entre as crianças.
Atualmente, cerca de 33% dos jovens entre os 5 e os 19 anos tem miopia. Em 1990, era apenas um quarto. Se esta tendência se mantiver, a taxa será de cerca de 40% em 2050 – ou seja, 740 milhões de jovens míopes.
“A miopia é uma doença e tem implicações económicas e de qualidade de vida de grande alcance”, disse K. Davina Frick da Johns Hopkins School of Medicine em Maryland, à New Scientist.
No entanto, como escreve a mesma revista, os especialistas estão cada vez mais convencidos que a epidemia pode ser abrandada – ou até mesmo invertida.
Óculos, lentes de contacto ou mesmo a cirurgia ocular a laser, que altera permanentemente a forma da córnea, podem corrigir a desfocagem provocada pela miopia, mas não curam o problema subjacente.
“Não se obtém uma retina nova – ela tem de se esticar para acomodar o crescimento do olho e é aí que se verifica um afinamento dos bordos”, à New Scientist, Katherine Weise da Universidade do Alabama em Birmingham.
Isto aumenta o risco de quatro doenças que podem levar à cegueira irreversível: descolamento da retina, degenerescência macular míope, glaucoma e cataratas graves.
Causas da grande “desfocagem global”
Há provas de que a miopia está a começar mais cedo, logo aos 3 anos de idade. As estimativas preveem que metade da população mundial será míope até 2050.
Embora a miopia tenha uma componente genética, Don Mutti da Universidade do Estado do Ohio considera que o aumento está a acontecer demasiado depressa para se dever a alterações genéticas, “por isso, temos de nos concentrar nos fatores ambientais“.
Foram propostos vários culpados – dietas pobres, urbanização, aumento do tempo de ecrã – mas as provas para todos eles são fracas. Durante muitos anos, acreditou-se que o “trabalho de perto”, ou seja, qualquer atividade que exigisse uma focagem de perto, era uma das causas da miopia. Mas “não existem provas”, diz Mutti.
O excesso de tempo dentro de casa surge aqui como um vilão inesperado.
Salve os seus olhos, saia à rua
O poder de aumentar o tempo que as crianças passam ao ar livre foi demonstrado por um estudo feito em Taiwan, e detalhado agora pela New Scientist.
Em 2001, 34,8% das crianças com idades compreendidas entre os 6 e os 12 anos eram míopes; em 2010, esse número tinha aumentado para 49,1%.
Motivado pela crença de que o excesso de trabalho próximo estava por detrás do aumento vertiginoso, o governo introduziu nesse ano alterações no currículo escolar, com 2 horas por dia de atividade ao ar livre.
Embora o trabalho próximo não fosse provavelmente a causa da miopia das crianças, a experiência resultou: em quatro anos, a taxa de novos casos em Taiwan desceu de um pico de 50% das crianças entre os 7 e os 12 anos para 46,1% – e, apesar de ainda não ter regressado ao valor registado na década de 1980, continua a diminuir.
Outra experiência “não intencional” em grande escala, mais recente, também destacou a importância do tempo ao ar livre: a pandemia de covid-19.
De acordo com vários estudos que correlacionam as políticas de confinamento e a progressão da miopia, as taxas de miopia aumentaram drasticamente nos países onde as crianças tinham de ficar dentro de casa durante longos períodos.
Neste ponto surge uma a aparente ligação entre a miopia e o “trabalho ao perto” que é evitado quando se está fora de casa. No entanto, continuam a faltar provas de que o problema esteja a associado a esse “trabalho” de perto.
“Não há indícios fortes de que o que as crianças estão a fazer dentro de casa seja uma fonte específica do problema da miopia; mas há sobre o facto de estarem dentro de casa”, diz Mutti.
O objetivo passa agora por identificar os benefícios do ar livre, para começarmos a levar os benefícios do ar livre para dentro de casa. Isso pode significar alterar a iluminação interior das escolas, por exemplo, para imitar melhor a luz natural, sugere Rick Born, da Harvard Medical School.
Os investigadores consideram que as formas de resolver o problema global da miopia estão finalmente a tornar-se claras.
Tratamento revolucionário em foco
E eis que, “sem querer”, surgiu nova revolucionária: a terapia repetida de luz vermelha de baixo nível (RLRL).
Esta terapia desenvolvida para tratar a ambliopia, ou olho preguiçoso, mas descobriu-se inadvertidamente que retardava a progressão da miopia – e, nalguns casos, fazia-a regredir.
Como explica a New Scientist, aqui, a luz laser com um comprimento de onda de 650 nanómetros e uma luminância de 1600 lux é projetada na retina durante cerca de 3 minutos, duas vezes por dia.
Em 2022, um estudo da Universidade Sun Yat-sen, em Guangzhou, na China, publicou os resultados de um ensaio clínico da terapia RLRL, descobrindo que esta retardava significativamente a progressão da miopia.
De forma inesperada, verificaram também que, em cerca de 40% dos participantes, o comprimento do globo ocular diminuiu e a visão melhorou.
Apesar de, por vezes, este fenómeno acontecer espontaneamente, neste caso foi muito mais frequente nas pessoas que foram tratadas.
Outros estudos que utilizaram esta terapia obtiveram resultados semelhantes.