Se for a Londres e visitar os Jardins Botânicos de Kew, não vai querer perder a sensação de sentir o cheiro “bastante agradável” (só que não) de uma planta residente, que floresceu no início deste mês.
Amorphophallus titanum ou, também, conhecida como “flor cadáver“, é uma planta que floresce normalmente apenas uma vez por década, depois de passar anos a armazenar energia numa base subterrânea do caule, chamada cormo, para alimentar a ereção da sua enorme inflorescência.
Segundo o Science Alert, com três metros de altura, trata-se da maior flor não ramificada do mundo e vale a pena suster a respiração perante este crescimento espetacular.
O cheiro desta planta é de revirar o estômago e faz lembrar carne a apodrecer — daí que lhe tenha sido dada a alcunha de “flor cadáver”.
Esta planta irradia calor e odor como um difusor de óleo, de modo a atrair polinizadores carnívoros, como moscas e escaravelhos, a quase 1 km de distância. (Embora, neste caso, a flor de Kew seja polinizada por botânicos especialistas).
Quem visita descreve o cheiro como “mínimo” — o que parece mais comum do que seria de esperar, dada a reputação da planta.
Com uma duração média de 24 a 48 horas, a primeira flor já murchou, mas a segunda planta está a preparar-se para florescer, previsivelmente esta semana. (Se vai a Londres, pode não querer perder a oportunidade…).
A “flor-cadáver” é um ícone nos Jardins Botânicos de Kew, mas esta gigante tropical é mantida num estufa, de modo a imitar as condições tropicais da sua terra de origem — Sumatra, uma ilha equatorial da Indonésia.
A obsessão pela “flor cadáver” começou no final do século XIX, quando muitas plantas foram descobertas e recolhidas para cultivo em todo o mundo — resultado da colonização ocidental.
Esta “fera” botânica era uma espécie de joia real entre a coleção de plantas tropicais do Império Britânico, numa altura em que o cultivo em estufa era uma forma de exibir a riqueza e a diversidade do império.
Odouardo Beccari, botânico italiano, chamou a atenção da ciência ocidental para esta espécie quando visitou a Sumatra central em 1878, com a orientação de habitantes locais que nunca reconheceu.
“O tubérculo desenterrado pelo Dr. Beccari media quase 1,5 metros de circunferência e era tão pesado que dois homens mal o conseguiam carregar”, escreveu o Gardener’s Chronicle, uma publicação semanal da época.
Beccari forneceu espécimes a Kew para cultivo, que brotaram folhas durante vários anos, construindo um tubérculo sólido debaixo do solo, armazenando energia para o grande final que estava para vir.
A publicação semanal descreveu o caule da folha do espécime de Kew como “grande como a coxa de um homem“.
Então, em junho de 1889 — há 135 anos — a primeira “flor de cadáver” do Kew floresceu.
“No início da semana, apresentava o aspeto de um enorme ovo posto em pé, do topo do qual sobressaía a extremidade da espádice, envolvida na base pela espata, que estava amassada em dobras ou tranças longitudinais”, relatou o Chronicle.
“Na base da espádice, escondidas dentro do tubo do funil, estavam as flores — um anel de machos — montado num anel semelhante, mas mais profundo, de flores femininas, cada uma consistindo num ovário ovoide que se afunila num estilo longo e reto”, continua.
“Apenas alguns tiveram o privilégio de olhar para dentro do tubo para ver as flores, e esses poucos pagaram a sua curiosidade com a inalação de um fedor comparado ao de peixe podre, mas de uma intensidade indescritível!”, conclui.
A primeira floração cultivada durou apenas três dias e foi considerada uma visão inapropriada para mulheres. Afinal de contas, o nome latino da planta traduz-se por “pénis gigante deformado“.
Em 1926, uma segunda floração grotesca causou ainda mais controvérsia, tendo a policia sido chamada para controlar as multidões.
Desde então, os espécimes em flor tornaram-se mais comuns em todo o mundo, mas continuam a atraia polinizadores e espetadores com a sua biologia bizarra.