A história da ilha que deu origem à cidade de Nova Iorque e foi vendida por um dólar

Antony-22 / Wikimedia

Existe um momento no trajeto de balsa da South Street, em Manhattan, até Governors Island em que o horizonte atrás de nós é o que mais chama a atenção, com os seus arranha-céus de vidro, aço e cimento a pairar sobre o porto com cor de ardósia.

Governors Island (“ilha dos governadores”, em português) tem cerca de 70 hectares e fica a apenas 730 metros de distância da maior metrópole dos Estados Unidos — Nova Iorque. Mas a grande cidade simplesmente desaparece da mente do visitante.

Era o lar do povo nativo americano Lenape, que deu à ilha o nome Paggank – ¬Ilha das Nozes¬, devido à grande quantidade de nogueiras e carvalhos existentes no local. 100 anos depois, chegaram os holandeses, que estabeleceram na ilha o primeiro assentamento da sua colónia chamada Nova Amesterdão. Foi assim que a ilha, agora desabitada, foi o local de nascimento da cidade de Nova Iorque.

Tecnicamente, Governors Island faz parte de Manhattan. Mas hoje talvez seja o segredo mais bem guardado de Nova Iorque.

A frondosa ilha abriga 11 quilómetros de ciclovias; uma quinta urbana de quatro mil metros quadrados; extensos relvados e jardins; escorregas com a altura de um prédio de três andares; plantações de abóbora; uma pista de patinagem no gelo; e todo tipo de locais de piquenique, parques infantis e exposições de arte.

E, agora, a ilha também é pioneira num conceito inspirador de resíduos zero, que poderá mostrar a outras cidades como atingir a sustentabilidade.

No final de abril, o autarca de Nova Iorque, Eric Adams, anunciou que a ilha irá abrigar um “laboratório vivo” de 700 milhões de dólares, dedicado a encontrar soluções para o combate à crise climática.

“O conceito e o projeto do parque estão realmente baseados [na] sustentabilidade e na resiliência”, diz Clare Newman, presidente e CEO (diretora-executiva) da ONG Trust for Governors Island. O Trust é responsável pela administração da ilha, em conjunto com o Serviço de Parques Nacionais.

Originalmente, Governors Island tinha 29 hectares. Mas a ilha mais do que duplicou de tamanho no início dos anos 1900, quando foram acrescentados 40 hectares de terra, retirada na escavação da estação de metro Lexington Avenue, em Manhattan.

Em 2007, essa área praticamente não desenvolvida no sul da ilha foi reprojetada para ser mais do que apenas um espaço recreativo. O Trust viu ali a oportunidade de “demonstrar para toda a cidade e, quem sabe, para o mundo, como podemos desenvolver ambientes urbanos de forma muito mais sustentável e adaptável”.

Essa iniciativa ecológica é o capítulo mais recente da fascinante história de Governors Island.

Ilha histórica

Os ingleses chegaram a Nova Iorque em 1664, quando tomaram a ilha dos holandeses. E, 11 anos depois da retirada das tropas britânicas com a Revolução Americana de 1783, o governo de Nova Iorque começou a fortificar o porto, construindo três fortes na ilha — o Forte Jay, o Castelo Williams e a fortificação South Battery. As construções ajudaram a deter uma invasão britânica na Guerra de 1812.

Sob o controle do governo americano, a ilha tornou-se uma base militar, posto de quarentena para refugiados religiosos, prisão de soldados confederados durante a Guerra Civil Americana, quartel-general na Segunda Guerra Mundial e, por fim, base da Guarda Costeira americana até 1996.

A ilha ficou então praticamente abandonada durante quase uma década, enquanto o governo federal discutia o que fazer com ela.

Governors Island também testemunhou muitos momentos históricos. Em 1919, por exemplo, Wilbur Wright — o mais velho dos irmãos Wright — descolou de uma faixa de terra na parte sul da ilha para o primeiro voo sobre a água nos Estados Unidos.

O compositor Burt Bacharach apresentava-se regularmente no The Officer’s Club, localizado na ilha, no início da década de 1950. Já o presidente americano Ronald Reagan recebeu o líder soviético Mikhail Gorbachev na mansão Admiral’s House, do século XIX, em 1988.

Em 2001, Governors Island foi declarada Monumento Nacional. Dois anos depois,  foi vendida à cidade e ao Estado de Nova York por um dólar. E, em 2005, foi aberta a visitas.

“Ilha Resíduo Zero”

O bucólico espaço ao ar livre, tão próximo da metrópole, transformou Governors Island num destino cultural e recreativo.

Em 2018, Governors Island ganhou 36 barracas particulares para acampar, com vista para a Estátua da Liberdade. E, no ano passado, foi aberto o Spa QC NY, onde os visitantes podem relaxar numa cama de infravermelhos, na sauna, no banho turco, ou ainda na piscina externa, com vista para os helicópteros que aterram no centro financeiro e para as balsas que cruzam o porto de Nova Iorque.

Todos os vendedores e empresas abertas na ilha comprometem-se a respeitar a iniciativa Ilha Resíduo Zero. Eles assinam um contrato que detalha, entre outras coisas, quais materiais são permitidos ou não.

Todos os estabelecimentos alimentícios, por exemplo, precisam de usar utensílios compostáveis. Newman afirma que eles “fazem uma grande diferença” para atingir o objetivo de resíduo zero na ilha.

A ONG Earth Matter NY é parceira do Trust no programa Ilha Resíduo Zero e retira todos os resíduos orgânicos e transforma-os em composto para os jardins da ilha. Papel, vidro, plástico, alumínio e o lixo comum são colocados em cestos diferentes e processados separadamente.

“Chegamos à ilha com a ideia de reciclar e criar este circuito fechado“, explica a diretora-executiva e uma das fundadoras da Earth Matter NY, Marisa DeDominicis. “Ilha Resíduo Zero realmente é o nosso objetivo.”

Quando não estão passeando no ensolarado bosque Hammock Grove ou explorando as exposições de arte sazonais em Governors Island, os visitantes podem observar a iniciativa de resíduo zero em ação.

Na parte sul da ilha, a Earth Matter divide o espaço com um jardim-escola e um santuário de abelhas.

É ali que funcionários, voluntários e as galinhas que moram no local selecionam o material orgânico, criando pilhas de compostagem — algumas com até 2,5 metros de altura e 30 metros de comprimento.

Durante o processo de decomposição natural, as pilhas atingem temperatura de 67 °C. E, depois de cerca de 12 a 15 meses, o composto está pronto para ser distribuído entre os canteiros e jardins da ilha, além de jardins comunitários em parques de Nova Iorque.

Foi recentemente anunciada a construção de um novo complexo de pesquisa de soluções climáticas, com 37 mil metros quadrados, que recebeu o nome de “Bolsa do Clima de Nova York”. Espera-se que crie milhares de empregos na ilha quando for inaugurado, em 2028.

O Centro de Soluções Climáticas irá aumentar o tráfego de pedestres e, possivelmente, dificultará ainda mais o controlo dos resíduos, mas os benefícios finais são claros.

Para Newman, “tudo isso é parte da visão: esperamos ter aqui na ilha uma mini-cidade realmente global que seja um exemplo de como formar centros urbanos muito mais sustentáveis, resilientes e adaptáveis”.

ZAP // BBC

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