Um novo estudo da equipa por trás do rover Curiosity da NASA confirmou que Marte já foi, há milhares de milhões de anos, capaz de armazenar água em lagos durante um período alargado de tempo.
Usando dados do Curiosity, a equipa determinou que, há muito tempo, a água ajudou a depositar sedimentos na Cratera Gale, onde o rover aterrou mais de 3 anos atrás. O sedimento foi depositado em camadas que formaram a base do Monte Sharp, a montanha que está hoje no meio da cratera.
“As observações do rover sugerem a existência de uma série de fluxos de longa duração e lagos há 3,8-3,3 mil milhões de anos, que transportaram sedimentos e que lentamente construíram as camadas inferiores do Monte Sharp,” afirma Ashwin Vasavada, cientista do projeto MSL (Mars Science Laboratory) no JPL da NASA em Pasadena, no estado americano da Califórnia, e coautor do novo artigo publicado na semana passada na revista Science.
As conclusões apoiam-se em trabalhos anteriores que sugeriram a existência de lagos no passado de Marte e também contribuem para o desvendar da história molhada de Marte, tanto no passado como no presente. O mês passado, cientistas da NASA confirmaram a presença atual de sais hidratados em Marte.
“O que pensávamos saber sobre a água em Marte está a ser constantemente posto à prova,” afirma Michael Meyer, cientista-chefe do Programa de Exploração de Marte na sede da NASA em Washington. “É evidente que o Marte de há milhares de milhões de anos era mais parecido com a Terra do que o Marte de hoje. O nosso desafio é descobrir como este Marte mais clemente foi sequer possível e o que aconteceu depois.”
Antes do Curiosity ter aterrado em Marte em 2012, os cientistas propuseram que a Cratera Gale tinha sido preenchida com camadas de sedimentos. Algumas hipóteses eram “secas”, sugerindo que os sedimentos foram acumulados por poeira e areia arrastada pelo vento. Outras focaram-se na possibilidade de camadas depositadas em antigos lagos.
Os resultados mais recentes do Curiosity indicam que estes cenários mais húmidos estão corretos para as partes mais inferiores do Monte Sharp. Com base na nova análise, o depósito pelo menos das camadas inferiores da montanha ocorreu principalmente graças a rios e lagos antigos ao longo de um período de menos de 500 milhões de anos.
“Durante a travessia da Cratera Gale, notámos padrões na geologia onde vimos indícios de fluxos rápidos com cascalho mais grosseiro, bem como lugares onde os fluxos parecem ter sido esvaziados em corpos de água parada,” explica Vasavada. “A previsão era que deveríamos começar a ver rochas de granulação mais fina, depositadas por água, mais perto do Monte Sharp. Agora que chegámos, vemos lamas solidificadas e laminadas em abundância que se parecem com depósitos de um lago.”
Este tipo de rocha indica a presença de corpos de água parada, na forma de lagos, que permaneceram por longos períodos de tempo, possivelmente expandindo-se e contraindo repetidamente durante centenas de milhões de anos. Estes lagos depositaram os sedimentos que eventualmente formaram a parte inferior da montanha.
“Paradoxalmente, onde existe hoje uma montanha, houve no passado uma bacia e às vezes estava cheia de água,” comenta John Grotzinger, ex-cientista do projeto MSL no Instituto de Tecnologia da Califórnia em Pasadena e autor principal do novo trabalho.
“Vemos indícios de aproximadamente 75 metros de sedimentos e, com base nos dados de mapeamento da MRO (Mars Reconnaissance Orbiter) e imagens da câmara do Curiosity, parece que a água que transportava o depósito sedimentar estendia-se pelo menos até 150-200 metros acima do chão da cratera.”
Além disso, a espessura total dos depósitos sedimentares na Cratera Gale que indicam interação com água podem até estender-se ainda mais alto, talvez até 800 metros acima do chão da cratera.
Acima dos 800 metros, o Monte Sharp não mostra evidências de estratos hidratados, e essa porção constitui a maioria do Monte Sharp. Grotzinger sugere que este segmento posterior da história da cratera fosse talvez dominado por depósitos secos e impulsionados pelo vento, como uma vez se pensou para a parte inferior explorada pelo Curiosity.
Persiste ainda a questão da fonte original de água que carregou os sedimentos para a cratera. Para a água ter corrido à superfície, Marte deve ter tido uma atmosfera mais espessa e um clima mais quente do que o teorizado para a época passada em que a Cratera Gale passou por uma atividade geológica intensa. Os modelos atuais deste paleoclima ainda não conseguem obter a resposta à pergunta.
Pelo menos uma parte da água pode ter sido fornecida através da queda de neve e chuva nas terras altas na orla da Cratera Gale. Há quem tenha argumentado a existência passada de um oceano nas planícies para norte da cratera, mas essa hipótese não explica como a água conseguiu existir em estado líquido à superfície durante grandes períodos de tempo.
“Tínhamos tendência para considerar Marte como algo simples,” comenta Grotziner. “Já pensámos que a própria Terra também era simples. Mas quanto mais estudamos, mais perguntas surgem porque estamos apenas a começar a compreender a real complexidade do que vemos em Marte. Este é um bom momento para voltar a reavaliar todos os nossos pressupostos. Há peças ainda em falta.”