Filipe Amorim / Lusa

O ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre
Fernando Alexandre diz que não pensava algum dia, nas suas funções, ouvir um dirigente máximo de uma instituição de ensino superior “mentir como o reitor do Porto fez”. Já o presidente da FAP diz que houve falta de entendimento entre o reitor e o diretor da FMUP, que foram rivais na eleição para a reitoria.
O ministro da Educação manifestou esta sexta-feira “enorme desilusão” face ao reitor da Universidade do Porto, que acusou de mentir sobre alegadas pressões para aceitar candidatos ao curso de Medicina, e disse que aceitaria a sua demissão.
“Quero começar por dizer, de forma muito clara, que o senhor reitor da Universidade do Porto, António Sousa Pereira, mentiu. O mais alto representante de uma das mais importantes instituições de educação do nosso país mentiu”, disse Fernando Alexandre no início de uma conferência de imprensa.
A conferência de imprensa tinha sido agendada para apresentar as medidas aprovadas na quinta-feira pelo Conselho de Ministros para o setor da educação, mas o governante começou por responder a uma polémica relacionada com o mestrado integrado em Medicina da Universidade do Porto.
Em causa está uma notícia do jornal Expresso, a quem o reitor daquela instituição denunciou ter recebido pressões de várias pessoas “influentes”, sem querer adiantar nomes, para deixar entrar na Faculdade de Medicina 30 candidatos que não tinham obtido a classificação mínima na prova exigida no curso especial de acesso para licenciados noutras áreas.
O assunto, diz o reitor, chegou ao ministro da Educação, que ligou ao reitor a manifestar disponibilidade para que se criassem vagas extraordinárias de modo a que estes alunos (que não tinham obtido a classificação mínima na prova exigida no concurso especial de acesso para licenciados em outras áreas) tivessem lugar na Faculdade de Medicina.
“O ministro gostaria que isso fosse feito, mas eu disse-lhe: ‘Eu não o faço. Eu cumpro a lei. Se o senhor ministro entende que deve ser de outra maneira, dê-me a ordem e eu executo-a’”, afirmou ao Expresso o reitor da UP.
Fernando Alexandre desmentiu o dirigente da universidade portuense, e afirmou na conferência de imprensa que foi o próprio reitor a contactá-lo, sublinhando que o problema foi criado pela própria Universidade, através da Faculdade de Medicina.
O ministro da Educação deixou duras críticas a António Sousa Pereira, manifestando “enorme desilusão” com o reitor, e disse mesmo que aceitaria um pedido de demissão do dirigente, se este a apresentasse.
“Confesso que não pensava que algum dia, nestas funções, ouvisse um dirigente máximo de uma instituição de ensino superior a mentir como o reitor do Porto fez”, afirmou.
Em causa estão alunos que concorreram ao concurso especial de acesso para licenciados, mas obtiveram menos de 14 valores na prova de conhecimentos exigida no processo de seleção, o que é automaticamente motivo de exclusão, de acordo com o regulamento do concurso, publicado em “Diário da República”.
Já depois de conhecidos os resultados do exame, a comissão de seleção do concurso, composta por seis professores da faculdade, ‘deliberou propor a aplicação excecional’ de uma nota mínima de 10 valores, em vez dos 14 estabelecidos no regulamento, o que permitia a entrada a mais 30 estudantes”.
O reitor só terá tido conhecimento vários dias depois, a 7 de julho, e recusou homologar a lista de colocados por considerar que a entrada daqueles candidatos era ilegal à luz do regulamento, diz o Expresso.
No seguimento da decisão, foram admitidos apenas os sete que tiveram mais de 14 valores, tendo as restantes 30 vagas inicialmente abertas neste contingente revertido para o concurso nacional de acesso ao ensino superior, como estipula a legislação em vigor.
Entretanto, o diretor da Faculdade de Medicina, Altamiro da Costa Pereira, defendeu que poderiam ser abertas 30 vagas extraordinárias para permitir a sua entrada no curso, ainda que não tivessem obtido a nota mínima exigida.
Reitor diz que pressões vieram de “pessoas influentes”
O reitor da Universidade do Porto reiterou hoje que “em nenhum ponto” da notícia do Expresso refere que foi pressionado pelo ministro da Educação a aceitar candidatos ao curso de Medicina, mas sim por pessoas “influentes e com acesso ao poder”.
Num comunicado enviado à Lusa, António Sousa Pereira garante que não mentiu e disse que a notícia avançada pelo Expresso refere “pressões de várias pessoas influentes e com acesso ao poder”.
O reitor considera, por isso, estranha as declarações do ministro da Educação, Fernando Alexandre, que acusou o reitor de mentir.
“O “esclarecimento” do Ministério da Educação, e a declaração posterior do senhor ministro em conferência de imprensa confirmaram, de resto, todos os factos descritos na notícia do Expresso, incluindo as pressões de que também o MECI e o Parlamento foram objeto”, escreveu o reitor.
Sousa Pereira adiantou que só vai prestar esclarecimentos adicionais às entidades que venham ainda a ser chamadas a intervir neste processo.
O PSD pediu na tarde desta sexta-feira uma audição urgente do ministro da educação, do reitor da U.Porto e do diretor da Faculdade de Medicina para prestarem esclarecimentos sobre as alegadas pressões. Entretanto, o PS e a IL também pediram a audição do ministro da Educação no parlamento.
FAP exige inquérito interno
A Federação Académica do Porto exigiu esta sexta-feira um “inquérito interno” para apurar porque o diretor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto informou da entrada de 30 candidatos em Medicina sem autorização do reitor da Universidade do Porto.
Em entrevista à Lusa, o presidente da FAP, Francisco Fernandes, diz sentir-se “envergonhado” pelo sentimento de frustração que foi provocada a 30 candidatos à licenciatura de Medicina da U.Porto, tida como a melhor universidade de Portugal, e pediu um “inquérito interno” para que se apurem as responsabilidades.
“Defendemos um inquérito interno para que nunca mais isto aconteça. Estamos envergonhados pelo sentimento de frustração que foi provocada aos estudantes e, acima de tudo, como é que é possível a Universidade do Porto, entre reitoria e entidades orgânicas, não se conseguirem entender”, destacou.
Francisco Fernandes lamenta que tenha sido lançado um e-mail pela FMUP sem a autorização do reitor. “A Universidade do Porto é uma só”, frisou.
Segundo o presidente da FAP, “houve um candidato que se despediu do emprego, outro que vendeu a casa, outro que se despediu do trabalho no estrangeiro”. Ou seja, os candidatos que tomaram conhecimento de que se encontravam colocados definitivamente na FMUP mudaram a sua vida.
Este concurso é para estudantes licenciados, pessoas mais velhas que estão entre os 25 e 30 anos, explicou Francisco Fernandes.
Segundo o presidente da FAP, o caso terá tido origem na falta de entendimento entre o Reitor da Universidade do Porto e o atual diretor da Faculdade de Medicina, que foram rivais na eleição para reitor da instituição para o mandato 2022-2026.
A Federação marcou uma reunião de urgência para a noite desta sexta-feira com todas as associações de estudantes da Universidade do Porto para reagir ao “agravamento” da relação entre a U.Porto e o Ministério da Educação.
ZAP // Lusa