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“Chave mestra” que muda os IBAN. Escândalo de lavagem de dinheiro abala o Vaticano

Um antigo auditor afirma que tem provas de que a cidade-estado tem um sistema que esconde as identidades dos remetentes e destinatários de transferências bancárias. O Vaticano rejeita as acusações.

O Vaticano está a ser acusado de ter uma ferramenta capaz de alterar as transferências bancárias internacionais para ocultar as identidades dos remetentes e dos destinatários, um sistema apelidado de “chave mestra para o branqueamento de capitais” por um dos seus antigos altos funcionários financeiros.

Libero Milone, antigo auditor da Deloitte nomeado pelo Papa Francisco em 2015 para reformar as finanças do Vaticano, afirma que a agência de processamento de salários da cidade-estado, a APSA, consegue alterar os nomes e números das contas nas transações SWIFT após o envio, permitindo potencialmente transferências ilimitadas não divulgadas. Tal capacidade violaria salvaguardas básicas antifraude e poderia, se comprovada, resultar na inclusão do Vaticano na lista negra do sistema bancário global.

Milone afirma ter tomado conhecimento da alegada ferramenta em 2016, após um pedido do Cardeal George Pell, então responsável pela transparência financeira do Vaticano, para investigar uma possível manipulação dos controlos SWIFT.

Numa carta partilhada pelo meio de comunicação católico The Pillar, Pell alertou que a mudança poderia ser “potencialmente ilegal”. Milone afirma ter relatado as suas conclusões ao Papa Francisco e a altos funcionários, mas não recebeu resposta dos principais órgãos de fiscalização.

“Tenho um pedaço de papel que diz que podem alterar as transações — podem mudar o nome — a qualquer momento”, afirma Milone em resposta a uma pergunta do Politico. O ex-auditor afirma ainda que tem outras provas de negligência no Vaticano, mas garante que não quer “chantagear ninguém”.

Dois anos depois de ter assumido o cargo, Milone foi forçado a demitir-se após ser acusado de ser espião, o que nega. Milone acredita que o seu afastamento foi uma retaliação pela descoberta de má conduta ligada ao Cardeal Giovanni Angelo Becciu, posteriormente condenado por peculato em 2023.

O Vaticano nega veementemente as alegações. O porta-voz Matteo Bruni classificou-as de “completamente infundadas”, afirmando que a APSA tinha deixado de atender clientes privados em 2015 e que as auditorias realizadas pelo organismo de supervisão do Vaticano, a ASIF, e pela PricewaterhouseCoopers, entre 2020 e 2024, não encontraram “qualquer anomalia”.

Uma fonte familiarizada com o sistema SWIFT insistiu também que “não é possível alterar o conteúdo de uma mensagem de pagamento depois de enviada” devido à encriptação e às assinaturas digitais.

As alegações surgem num momento delicado para o Papa Leão XIV, eleito em Maio com o mandato de restaurar a credibilidade e atrair doadores após anos de escândalos e défices financeiros.

A provarem-se, as alegações reacenderiam suspeitas de décadas sobre as finanças do Vaticano. Os escândalos passados incluem o colapso do Banco Ambrosiano na década de 1980, ligado ao branqueamento de capitais da Máfia, e a misteriosa morte do “banqueiro de Deus” Roberto Calvi em Londres. Mais recentemente, a condenação de Becciu por desvio de fundos do Vaticano e um negócio imobiliário falhado em Londres custou à Santa Sé mais de 100 milhões de euros.

Adriana Peixoto, ZAP //

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