O ensino da matemática pode estar a criar uma disparidade de género nas crianças

1

Um estudo feito em França notou que há alguma coisa na escola primária que está a provocar uma diferença de género nas crianças, no ensino da matemática.

A escola primária pode estar a provocar uma diferença de género no desempenho na matemática; e esse efeito parece começar logo no primeiro ano.

A revelação foi feita num estudo, publicado na semana passada na Nature, que incluiu dados sobre as competências matemáticas de mais de 2,5 milhões de crianças do primeiro ano em França.

O estudo revelou que, embora as raparigas e os rapazes começassem a escola com um nível semelhante de competências matemáticas, no espaço de quatro meses, os rapazes tinham um desempenho significativamente melhor a matemática do que as raparigas.

Essa diferença quadruplicou no final do primeiro ano.

As disparidades entre os sexos em matéria de desempenho matemático estão documentadas em todo o mundo, e a origem desta disparidade foi durante muito tempo atribuída a diferenças supostamente inerentes aos sexos: “os rapazes são melhores a matemática” e “as raparigas são melhores a línguas”.

Na realidade, isso são apenas estereótipos sem qualquer apoio científico.

Primária aumenta as diferenças?

O que o novo estudo sugere é que algo na educação matemática formal está a provocar a formação desse fosso, logo no primeiro ano.

“Fiquei muito surpreendida, não com o facto de haver uma diferença entre os sexos, mas com o facto de esta surgir no momento em que começa o ensino formal da matemática na escola”, disse, em entrevista à Live Science, a coautora do estudo, Elizabeth Spelke, professora de psicologia na Universidade de Harvard.

Como detalha a Live Science, o novo estudo aproveitou uma iniciativa do Ministério da Educação francês para melhorar os padrões nacionais de matemática, que foi lançada após vários anos de desempenhos dececionantes em avaliações internacionais e revelou a extensão perturbadora da diferença de género nas competências matemáticas no país.

Com a ajuda de cientistas cognitivos e educadores, o governo francês implementou um programa universal de testes para todas as crianças francesas, a fim de ajudar os professores a compreender melhor as necessidades de cada turma e a atualizar as normas nacionais.

Desde 2018, as competências linguísticas e matemáticas de todas as crianças são avaliadas à entrada no primeiro ano, o primeiro ano obrigatório de escolaridade em França. Foram testadas novamente após quatro meses de educação formal e depois de um ano completo de aprendizagem.

Estes testes não revelaram diferenças significativas entre as capacidades matemáticas das raparigas e dos rapazes no início da escolaridade.

No entanto, no espaço de quatro meses, abriu-se um fosso considerável entre eles, colocando os rapazes à frente, e esse fosso foi aumentando à medida que a escolaridade avançava.

Independentemente do estatuto socioeconómico, da estrutura familiar ou do tipo de escola, em média, os meninos tiveram um desempenho substancialmente melhor na avaliação do que as meninas.

Após a análise dos dados, os autores do estudo agora divulgado teorizam que as atividades na sala de aula são responsáveis por tais disparidades. E a Covid ajuda a prová-lo.

Quando as escolas fecharam, na pandemia, a diferença de género diminuiu. Mas quando voltaram a abrir, as disparidades aumentaram novamente.

“Portanto, há muitas razões para pensar que a diferença de género está ligada de alguma forma que não entendemos ao início e ao progresso do ensino formal de matemática”, refere Elizabeth Spelke.

Cenário preocupante

À Live Science, Jenefer Golding, especialista em pedagogia da University College London, que não fez parte do estudo, referiu que a investigação levanta questões preocupantes sobre atitudes ou comportamentos na sala de aula que podem estar a criar esta disparidade.

“Os padrões de género são generalizados, mas não são inevitáveis. O que está em causa é a igualdade de oportunidades. Temos de ter a certeza de que não estamos a colocar obstáculos evitáveis no caminho dos jovens que poderiam prosperar nestas áreas”, disse.

Como se trata de um estudo puramente observacional, a investigação não permite tirar conclusões definitivas sobre a razão pela qual esta diferença entre os géneros se torna tão acentuada no início da escolaridade. No entanto, a especialista considera os resultados alarmantes.

O papel das brincadeira em casa

À mesma revista, a analista educacional Sabine Meinck, da Associação Internacional para a Avaliação do Sucesso Educativo, baseando-se na sua própria investigação, refere que “os dados sugerem padrões precoces de género no envolvimento dos pais, [pelo que] os estereótipos de género podem começar a enraizar-se através de brincadeiras na primeira infância”.

Por exemplo, “os pais referem que as raparigas se envolvem muito mais em atividades de alfabetização precoce, enquanto os rapazes se envolvem mais frequentemente com blocos de construção e brinquedos de construção”, disse.

Estas diferenças nas brincadeiras da primeira infância pode estar a lançar as bases para a forma como as crianças se envolvem na aprendizagem da leitura e da matemática na escola.

ZAP //

1 Comment

  1. A questão que convém colocar é se as brincadeiras da primeira infância são induzidas pelos adultos ou correspondem a uma inclinação natural das crianças, mesmo que seja apenas em parte. É verdade que, pelo menos nas sociedades ocidentais, as crianças tem perdido espaço para definirem as suas próprias brincadeiras, diminuindo as culturas infantis e juvenis, com uma maior intervenção e controlo dos adultos, o que não favorece a autonomia e a criatividade. Provavelmente nem tudo no nosso comportamento será de natureza social.

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.