Os primeiros peixes extraterrestres vão ser robalos cultivados na Lua

ZAP // SergeyNivens, h.ulugbek / Depositphotos

O projeto Lunar Hatch quer colocar peixe fresco no cardápio das missões espaciais. Os astronautas agradecem.

Numa estação de investigação escondida perto das praias de Palavas-les-Flots, no sul de França, centenas de pequenos robalos circulam num tanque.

Eles não sabem, mas fazem parte de uma experiência ousada que um dia poderá mudar a vida fora da Terra.

Se tudo correr conforme planeado, os  descendentes destes robalos estarão entre os primeiros animais criados na Lua, fornecendo alimentos frescos para astronautas em missões longas longe de casa. Extraterrestres, pode-se dizer.

O projeto, chamado Lunar Hatch, é liderado pelo biólogo francês Cyrille Przybyla, perito em produção de microalgas e investigador do Instituto Nacional Francês de Ciência Oceânica (Ifremer).

O objetivo do projeto é responder a uma questão fundamental para os futuros exploradores espaciais: como produzir alimentos frescos e nutritivos de forma confiável na Lua?

“O peixe é uma excelente fonte de proteína, porque é o organismo animal que melhor digerimos”, explica Przybyla ao The Guardian. “Tem ómega-3 e vitaminas B importantes, que são necessárias para os astronautas no espaço manterem a massa muscular.”

O plano é tão ambicioso quanto parece. Os cientistas vão fertilizar ovos de robalo na Terra e, em seguida, lançá-los para o espaço a bordo de uma nave de carga.

A viagem, com duração entre quatro e oito dias, coincide perfeitamente com o período de incubação dos ovos. Idealmente, irão eclodir durante o trajeto ou logo após a chegada à base lunar.

Chegados à Lua, os peixes crescerão em tanques cheios de água extraída do gelo encontrado nos polos lunares — regiões permanentemente protegidas da luz solar. Estes tanques farão parte de um sistema de aquacultura em circuito fechado, onde todos os resíduos se tornariam recursos.

“Fizemos todas as simulações possíveis em terra, então o objetivo agora é realizar uma missão espacial para verificar os nossos dados“, diz Przybyla.

Uma vez em operação, o sistema recorre a Aquacultura Multitrófica Integrada (IMTA), um método teorizado em 2004, que combina diferentes espécies marinhas para reciclar nutrientes.

As águas residuais dos peixes alimentariam microalgas, que, por sua vez, nutriram filtradores como bivalves e zooplâncton. Camarões e vermes processariam os resíduos restantes e também serviriam de alimento para o robalo.

“O objetivo do Lunar Hatch é não produzir resíduos“, realça Przybyla. “Tudo é reciclado através de um sistema de aquacultura que teria de ser autónomo durante quatro a cinco meses.”

Objetivo: duas doses frescas de robalo por semana para uma tripulação de sete pessoas, durante uma missão de 16 semanas. Para isso, seriam necessários cerca de 200 peixes.

A ideia de enviar animais para o espaço não é nova, nota o ZME Science. Em 1973, uma das missões Apollo da NASA levou a bordo alguns killies (Fundulus heteroclitus) — pequenos peixes resistentes da costa da América do Norte. E em 1976 houve guppies (Poecilia reticulata) a nadar no laboratório espacial Salyut da União Soviética.

Mais recentemente, foram enviados peixes-zebra (Ceratophyllum demersum) para a Estação Espacial Internacional, para estudar a perda muscular em situações de microgravidade. Esta espécie, que também já foi ao espaço na Shenzhou-18 chinesa, parece ter queda para astronauta.

Mas o projeto Lunar Hatch é diferente: o seu objetivo é literalmente criar peixes no espaço — ou, neste caso, numa base lunar.

Os investigadores já abordaram questões críticas. A radiação cósmica ou as alterações na gravidade danificariam o seu ADN? Os ovos sobreviveriam às violentas vibrações do lançamento?

Os primeiros testes sugerem que sim: usando equipamento do Centro Espacial da Universidade de Montpellier, os cientistas simularam a intensa agitação de um foguete russo Soyuz, e os ovos fertilizados em diferentes fases de desenvolvimento resistiram ao stress.

Se for bem-sucedido, o Lunar Hatch poderá vir a tornar-se um modelo para sistemas sustentáveis de suporte à vida, tanto no espaço como na Terra.

Num mundo que enfrenta desafios crescentes de segurança alimentar, o que começa como uma solução para astronautas distantes pode em breve repercutir-se em comunidades isoladas pela geografia, pelas alterações climáticas ou por conflitos.

Mas, para já, os robalos de Palavas-les-Flots continuam a sua dança lenta, sem saber que os seus descendentes podem um dia ajudar a humanidade a dar o seu próximo salto de gigante.

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