Um novo canabinóide sintético pode ter um efeito analgésico — sem a moca

Os cientistas desenvolveram um canabinóide sintético que mantém as propriedades analgésicas da canábis sem causar dependência ou ser psicoativo.

A dor crónica é um problema comum. Um estudo de 2023 do National Institutes of Health indicou que os novos casos de dor crónica ocorrem com mais frequência nos adultos norte-americanos do que outras doenças prevalecentes, como a diabetes e a depressão.

Segundo o IFL Science, embora tanto a compreensão quanto o tratamento da dor tenham melhorado, ainda há uma grande dependência de opióides, apesar da sua natureza altamente viciante e potencial para danos.

Como tal, os cientistas estão à procura de alternativas. Uma equipa da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington (WashU) e da Universidade de Stanford pensa que poderá ter encontrado uma nova.

Neste estudo, publicado na revista Nature, os cientistas criaram um composto que conceberam baseia-se em moléculas analgésicas presentes na planta da canábis.

“Durante milénios, as pessoas recorreram à [canábis] como tratamento para a dor”, afirmou Robert W. Gereau, coautor correspondente e diretor do Centro de Medicina da Dor da WashU, num comunicado.

“Os ensaios clínicos também avaliaram se a canábis proporciona um alívio da dor a longo prazo. Mas os efeitos secundários psicoativos da canábis têm sido problemáticos, impedindo que esta seja considerada como uma opção de tratamento viável para a dor. No entanto, conseguimos ultrapassar esse problema”.

A forma como o fizeram foi conceber uma molécula canabinóide sintética personalizada que tem uma carga positiva, o que a impede de atravessar a barreira hemato-encefálica, ou seja, não se pode ligar ao seu alvo — o recetor canabinóide 1 (CB1) — no cérebro, mas pode atuar nas células do resto do corpo.

“Isto significa que o composto evita efeitos secundários psicoativos, como alterações de humor, e não causa dependência porque não atua no centro de recompensa do cérebro”, explicou Susruta Majumdar, autora principal do estudo e professora de anestesiologia na WashU Medicine.

Até agora, o composto chamado VIP36 só foi testado em ratos, mas os resultados são encorajadores. Em modelos de ratinhos com dores inflamatórias, nervosas e de enxaqueca, o VIP36 teve um efeito analgésico.

No modelo de dor nervosa, este efeito persistiu ao longo dos nove dias de tratamento (18 injeções no total), o que, segundo os autores, é importante, uma vez que os esforços anteriores com outros compostos provocaram tolerância. Para os doentes com dor crónica, é vital encontrar um tratamento que funcione a longo prazo.

O que distingue o VIP36 é o facto de se poder ligar a um local “escondido” no recetor CB1, que se pensava anteriormente ser inacessível aos canabinóides. O local está aninhado numa bolsa que só se abre durante breves períodos de tempo e a ligação aqui está associada a menos processos celulares que conduzem à tolerância.

Graças à modelação computorizada realizada pela equipa de Stanford, os investigadores conseguiram descobrir este facto e utilizá-lo em seu benefício.

Com apenas estudos em animais concluídos até agora, esta é ainda a fase inicial do desenvolvimento deste composto. No entanto, os autores esperam que a sua investigação continue a progredir e estão a planear o desenvolvimento de um medicamento oral que, espera-se, chegue aos ensaios clínicos em humanos.

“Há uma necessidade urgente de desenvolver tratamentos não viciantes para a dor crónica, e esse tem sido o principal objetivo do meu laboratório nos últimos 15 anos”, afirmou Majumdar.

Teresa Oliveira Campos, ZAP //

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.