Russos assustados: Putin chama-os para a guerra cada vez mais cedo

Exercícios militares para reservistas russos foram agendados mais cedo do que o habitual em 2025. Mas porquê? E quais são as consequências desta prematuridade para a guerra na Ucrânia?

Para “aprimorar o treino de combate dos reservistas”, o presidente russo, Vladimir Putin, assinou um decreto sobre a organização dos treinos militares em 2025. As convocações podem ser emitidas para militares da reserva com até 50 anos de idade; oficiais não comissionados com até 60 anos; oficiais superiores com até 65 anos; e os de patentes ainda mais altas, com até 70 anos.

Esses exercícios são realizados todos os anos na Rússia, mas desde o início da guerra contra a Ucrânia, há três anos, têm sido cada vez mais prolongados. Além disso, a idade máxima dos recrutas e a multa por não comparecer ao treino militar foram aumentadas para 30 mil rublos (cerca de 300 euros).

Entretanto, a discussão nas redes sociais russas gira em torno da razão pela qual os exercícios de defesa estão a ser programados tão cedo. Em 2024, Putin ordenou que acontecessem em março e, em 2023, em maio.

“Devemos contar com uma nova mobilização?”, questiona um utilizador da rede russa Vkontakte. “Agora, muitos vão deixar o país outra vez“, acrescenta outro.

De exercícios militares para a guerra na Ucrânia?

A lei russa prevê que as pessoas participem num exercício militar de cerca de dois meses e que treinem o uso de armas e equipamentos militares. Antes da guerra contra a Ucrânia, esses exercícios eram de natureza essencialmente formal. Embora fossem obrigatórios, muito poucas pessoas participavam. Aqueles que os ignoravam enfrentavam no máximo uma multa de 500 rublos (cerca de 30 reais).

Desde 2022, exercícios militares são realizados ao longo de todo o ano, explica Artyom Klyga, advogado do Movimento de Objetores de Consciência da Rússia. “Na verdade, pode-se dizer que os treinos militares ordenados no ano passado ainda estão a decorrer”, diz EM entrevista à DW. Isso pode estar relacionado à “necessidade de pessoas” em face da “cresce exaustão do exército russo”.

Segundo Klyga, um exercício de defesa oferece uma oportunidade adicional para recrutar soldados para a guerra contra a Ucrânia, já que durante o treino é mais fácil “forçar alguém a assinar um contrato por meio de isolamento, engano ou até mesmo ameaças”.

O advogado explica que os treinos também servem para conceder patentes mais altas e melhorar as especializações, permitindo um planeamento mais preciso da mobilização. Além disso, os russos são atraídos para os escritórios de alistamento para “comparação de dados”. Os reservistas podem ser processados se comparecerem a um treino e depois simplesmente se forem embora.

“Antes de um exame médico no escritório de recrutamento, é possível deixar o país sem hesitar”, sublinha o ativista, observando que ainda não há proibição de saída. Mas ressalva que isso poderá acontecer quando o registo central digital para recrutamento, que está a ser criado atualmente, estiver completamente operacional.

O que está por trás do decreto de Putin?

As disposições secretas geralmente especificam o número de recrutas e as tarefas planeadas nas regiões, explica o ex-deputado da Duma, Yevgeny Stupin. Essas informações podem ser usadas para identificar as metas e os objetivos do Ministério da Defesa da Rússia.

Stupin adverte contra a confiança excessiva nas garantias das autoridades russas de que, de acordo com a lei, ninguém pode ser enviado para a guerra a partir de um exercício de defesa. O político aponta para uma parte do decreto que permite que os reservistas sirvam na Guarda Nacional e no serviço de inteligência doméstica do FSB.

“Gostaria de lembrar que a Guarda Nacional é uma força de aplicação da lei nos territórios da Ucrânia ocupados pelo exército russo e que o pessoal do FSB guarda as fronteiras e está frequentemente envolvido em combates com as forças armadas ucranianas nas regiões de Kursk e Belgorod.”

Artyom Klyga assinala que os reservistas poderiam ser enviados tanto para as regiões de Kursk e Belgorod, como para os territórios ocupados pela Rússia, para serviço ou treino com a Guarda Nacional ou o FSB. “A lei não proíbe isso, não há obstáculos legais, mas ainda não registámos nenhum caso”, diz o ativista de direitos humanos.

O movimento Idite Lesom, uma organização sediada na Geórgia que ajuda desertores russos, também não soube de homens enviados para a guerra a partir de treinos militares. Mas aconselha que ninguém tente descobrir por si próprio: “É melhor ignorar tal convocatória.”

Planos russos para uma guerra contra a NATO?

As autoridades russas insistem que não há planos para uma nova mobilização e que a expansão do exército acontece de forma informal. Andrei Kartapolov, membro do Comité de Defesa da Duma, disse à agência de notícias russa Tass que cerca de mil homens se apresentam todos os dias aos escritórios de recrutamento e assinam contratos de forma voluntária, e destacou que o exército russo estava “a avançar em dezenas de frentes todos os dias”.

O exército russo está de facto a avançar no leste da Ucrânia, mas a intensidade tem diminuído, diz Ruslan Leviev, fundador da organização investigativa independente Conflict Intelligence Team. O ativista da oposição explica que, embora o exército russo seja capaz de reabastecer as suas fileiras com soldados, não pode simplesmente compensar a escassez de oficiais.

Simultaneamente, cada vez mais vozes pedem que sejam feitos preparativos para uma guerra contra o “Ocidente coletivo”. Isso aconteceria, como disse o primeiro vice-presidente do comité de defesa da Duma, Alexei Zhuravlyov, ao portal russo Absatz.media, caso os países ocidentais entrassem na guerra. Zhuravlyov acredita que a Rússia deve reabastecer as suas reservas de mobilização e preparar-se para tal situação.

Mas, segundo o ex-deputado Yevgeny Stupin, de Moscovo, os exercícios atuais não devem ser interpretados como um alerta para o Ocidente. Antes disso, acredita que Putin está a tentar obter resultados rápidos na frente de batalha: “é por isso que ele tem acelerado o recrutamento de soldados regulares, não deixando os mobilizados irem embora e também a utilizar reservistas.”

ZAP // DW

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