O slogan da Coca-Cola não foi só um apelo à bebida estrangeira proibida nos anos 20. Foi uma tentativa de aproximação ao EUA só conseguida quando Portugal esteve “à rasca” e Soares teve de pedir uma ajuda ao outro lado do Atlântico. Pessoa foi, sem muito sair de Lisboa, um importante diplomata.
No dia 16 de julho de 1927, o “Diário de Lisboa” publicou um anúncio de uma estranha bebida castanha e gaseificada que começava a consumir-se no estrangeiro. Vinha de longe, de um país de que pouco se conhecia, ainda que influenciasse os hábitos do mundo inteiro.
Por essa altura, Fernando Pessoa estava ainda longe de publicar Mensagem e grande parte da sua obra. Mas era já um grande escritor, e quando lhe foi encomendada a elaboração de um slogan para a Coca-Cola, deve ter provado com relutância a extravagante bebida,mas gradualmente começado a apreciá-la.
Era essa, mais ou menos, a sensação com que ficavam quando a provavam os portugueses, tão pouco habituados a refrigerantes num país que até no paladar estava tão “orgulhosamente só”.
E o slogan teve a ver com isso mesmo: “O refresco americano Coca-Cola. No primeiro dia: estranha-se. No quinto dia: entranha-se“. As rimas, sempre presentes no imaginário do poeta, “pegaram”, e durante algum tempo houve cafés portugueses que importaram a bizarra bebida produzida à base de um xarope e feita numa farmácia nos Estados Unidos. Um sucesso.
O problema é que, no ano seguinte, António de Oliveira Salazar subiu ao poder, e não achou piada à popularidade do refrigerante importado, símbolo da abertura ao exterior. Decidiu, então, proibi-la.
O diretor de Saúde, Ricardo Jorge, considerou o produto como uma espécie de droga, uma toxicidade expressa na própria frase de Pessoa.
Os americanos ficaram tão surpresos que o próprio secretário de Estado norte-americano, Frank Billings Kellogg, questionou o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros, Bettencourt Rodrigues, sobre a origem da proibição.
“O nome do produto, a ser verdadeiro, indica que na sua composição entra qualquer preparado de coca; […]. A coca só pode vender-se como medicamento nas condições legais, e não como género de consumo alimentar”, cita o Expresso.
E acrescentou: “Essa denominação teria ainda o inconveniente de induzir ao uso de estupefacientes que a lei condena e persegue. Nos anúncios com que se fez nos periódicos propaganda da Coca-Kola, dizia-se: ‘A princípio estranha-se, mas depois entranha-se.’ Um convite ao vício ou uma especulação com o vício.”
Depois da Segunda Guerra Mundial, graças às novas técnicas de armazenamento do produto inventadas pela empresa americana, o a bebida começou a vender-se me massa um pouco por todo o mundo. Mas não para Portugal, que vivia num cerrado protecionismo económico.
“A opinião oficial classificava a Coca-Cola como uma droga”, recordou ao Público a publicitária Maria Eduarda Colares. Mas “ninguém acreditava nisso, porque se ia a Badajoz e bebia-se Coca-Cola. Era uma coisa que não fazia sentido. Sempre que passávamos a fronteira, bebia-se Coca-Cola.” Até nas antigas colónias o produto existia e era bem-amado.
Em 1963, Salazar desabafou a Alberto Franco Nogueira: “Quero este país pobre mas independente; e não o quero colonizado pelo capital americano!”
E assim foi até à revolução de 74: um Portugal sem Coca-Cola, um símbolo da sociedade capitalista e livre dos EUA.
Coca-Cola: o sabor da liberdade
Foi só em 1976 que tudo mudou, já sob o governo de Mário Soares. E, na verdade, a entrada do refrigerante em Portugal foi muito mais do que isso: para além de simbolizar a abertura do país, foi também um excelente instrumento de diplomacia.
Isto porque Portugal estava financeiramente em apuros, e o governo português decidiu pedir um empréstimo de emergência aos EUA, num momento em que este país ainda tinha pouca influência nos nossos costumes.
Em 1977, Portugal assina a entrada da bebida no país, e o The Wall Street Journal publica um artigo intitulado “The Coca-Cola diplomacy” (“A diplomacia da Coca-Cola”)
“Durante semanas o Governo de Portugal aguardou nervosamente uma palavra de Washington sobre o pedido para que um empréstimo de emergência de 300 milhões de dólares fosse aprovado e o dinheiro estava a caminho. No fim de semana o empréstimo foi finalmente autorizado”, explicava-se no artigo.
“Pode ter sido apenas coincidência, mas pouco antes de o empréstimo ter sido aprovado Portugal terminou a proibição de 50 anos contra a Coca-Cola. Se fôssemos imaginativos, logo suspeitaríamos de que algum burocrata de Lisboa achou que o empréstimo de 300 milhões de dólares não saía devido à proibição de se fabricar Coca-Cola“, escrevia o jornal americano.
E foi assim que este produto chegou a Portugal, quase 100 anos depois de ter surgidos pela primeira vez nos EUA. A Coca-Cola, agora até produzida em Portugal, é mais do que um refrigerante para os portugueses: é um símbolo da liberdade, da abertura económica e da mudança, que só o 25 de abril permitiu.
Confirmo: Em África, durante a guerra colonial, eu bebia no mato Coca Cola e também Pepsi Cola (passe a PUB), alem das bjecas tradicionais.