Uma investigação independente concluiu que, durante quatro décadas, dezenas de meninos e meninas foram violados na ilha de Caldey, ao largo da costa do País de Gales, que é propriedade de monges cistercienses.
Esta investigação independente foi encomendada pela própria Abadia de Caldey depois da chegada de um novo abade e da divulgação das denúncias de abusos sexuais contra crianças.
As conclusões indicam que estes abusos decorreram ao longo de 40 anos, “à vista de todos”, apesar de queixas repetidas durante décadas, como realça o jornal britânico The Guardian.
Caldey fica na popular estância balnear de Tenby, no sudoeste do País de Gales, e é visita frequente de turistas apesar de ser propriedade de um grupo de monges cistercienses. Mas também vivem e trabalham na ilha pessoas leigas.
A maioria dos abusos terão sido cometidos pelo padre Thaddeus Kotik, um dos monges residentes na comunidade cisterciense que tinha como alvos tanto visitantes como residentes na ilha.
Mas Kotik também terá actuado como um “contacto” para outros pedófilos, alguns dos quais já condenados, que se instalaram na ilha durante “períodos significativos”, sublinha o relatório da investigação independente que também é citado pela BBC.
“Um abusador serial de crianças ‘à vista de todos’”
Kotik chegou à ilha nos anos de 1940 e “os testemunhos das vítimas” sugerem que foi “um abusador serial e prolífico de crianças, muitas vezes ‘à vista de todos’”.
“Há quem descreva ter sofrido abusos sexuais várias vezes ao dia”, acrescentam, notando que “o interesse” do padre por crianças “não foi escondido da vista e parece ter sido tolerado pelos adultos da ilha“.
A análise independente identificou, pelo menos, 20 vítimas de abuso sexual infantil.
Mas a associação criada para defender as vítimas, intitulada “Campanha de Sobreviventes da Ilha Caldey”, revelou aos investigadores ter sido abordada por 55 vítimas.
“Não sei como sobrevivi, foi terrível”
Rebecca foi uma das vítimas ouvida pelos investigadores. Esta mulher já adulta viveu em Caldey durante os primeiros cinco anos e meio de vida e conta que o padre aliciava os menores com promessas de doces, chocolates e outras prendas, como relata a BBC.
“Não sei como sobrevivi, foi terrível”, refere Rebecca que tentou suicidar-se várias vezes, e que tem memória de ter sofrido os primeiros abusos quando tinha 3 ou 4 anos de idade.
“Os muitos encobrimentos ao longo dos anos tornaram os efeitos dos abusos um milhão de vezes piores“, desabafa ainda Rebecca, notando que se sentiu
“repetidamente vitimizada” pela forma como as vítimas foram tratadas.
O padre morreu sem nunca ter sido ouvido
O relatório que foi tornado público nesta terça-feira, conclui que “parece ter havido uma falha de liderança ao mais alto nível dentro da Ordem e da Abadia”.
As denúncias das vítimas “não foram comunicadas às autoridades, conforme exigido por lei”, nota ainda.
“Esta aparente reticência em desafiar Thaddeus Kotik directamente, permitiu-lhe ofender durante mais de quatro décadas à vista de alguns membros da comunidade da ilha”, consideram também os investigadores.
O padre passou “tempo significativo sozinho com as crianças, com as famílias nas suas casas, cuidando de adultos e crianças com presentes e atenção”, realçam.
A investigação analisou alegações de abusos sexuais cometidos entre 1960 e 1992, ano em que o padre morreu sem nunca ter sido ouvido quanto às denúncias.
Novo abade pede “sinceras desculpas”
Algumas vítimas denunciaram os abusos à política, à abadia ou a padres das suas paróquias, mas as queixas nunca tiveram seguimento.
A investigação apurou que a Abadia abafou várias denúncias e manteve o padre em funções na Ordem.
O novo abade, o padre Jan Rossey, já pediu “sinceras desculpas” por “todo o sofrimento” causado pelos abusos e também pelo facto de as vítimas “não terem sido ouvidas”. “É de partir o coração ler estas histórias”, confessou à BBC.
O relatório fez 12 recomendações à Abadia para salvaguarda das crianças e o abade garante que serão implementadas na íntegra.