COVID grave dá origem a células anticancerígenas únicas, diz nova pesquisa

ZAP // DALL-E-2

Ilustração de monócitos a combater um tumor cancerígena.

Descoberta surpreendente revela que a infeção grave por COVID-19 pode reduzir tumores ao produzir um tipo especial de monócitos com propriedades anticancerígenas únicas.

Um novo estudo, publicado a 15 de novembro no Journal of Clinical Investigation, revela um potencial benefício inesperado da infeção grave por COVID: pode ajudar a reduzir o cancro.

A surpreendente descoberta, baseada em investigação realizada em ratos, abre novas possibilidades para o tratamento do cancro e lança luz sobre as complexas interações entre o sistema imunitário e as células cancerígenas — mas não significa que as pessoas devam tentar ativamente contrair COVID, realçam os investigadores.

O estudo centrou-se num tipo de glóbulo branco chamado monócito, células imunitárias que desempenham um papel crucial na defesa do organismo contra infeções e outras ameaças.

No entanto, em doentes com cancro, os monócitos podem por vezes ser sequestrados por células tumorais e transformados em células amigas do cancro que protegem o tumor do sistema imunitário.

Os investigadores descobriram que uma infeção grave por COVID faz com que o organismo produza um tipo especial de monócitos com propriedades anticancerígenas únicas.

Estes monócitos “induzidos” são especificamente treinados para atacar o vírus, mas também mantêm a capacidade de combater as células cancerígenas.

A chave na fechadura: “o encaixe perfeito”

Para compreender como tudo funciona, temos de olhar para o material genético do vírus que dá origem a COVID. Os investigadores descobriram que estes monócitos induzidos têm um recetor especial que se liga a uma sequência específica do ARN da doença.

Ankit Bharat, um dos cientistas envolvidos neste trabalho da Northwestern University, em Chicago, explicou esta relação recorrendo à analogia da chave e da fechadura: “se o monócito fosse uma fechadura e o ARN da COVID fosse uma chave, então o ARN da COVID é o encaixe perfeito“.

Para testar a sua teoria, a equipa de investigação realizou experiências em ratos com vários tipos de cancro avançado (fase 4), incluindo melanoma, cancro do pulmão, da mama e do cólon. Deram aos ratos um medicamento que imitava a resposta imunitária a uma infeção grave por COVID, induzindo a produção destes monócitos especiais. Os resultados foram notáveis.

Os tumores dos ratos começaram a diminuir nos quatro tipos de cancro estudados.
Ao contrário dos monócitos normais, que podem ser convertidos pelos tumores em células protetoras, estes monócitos induzidos mantiveram as suas propriedades de combate ao cancro. Foram capazes de migrar para os locais dos tumores — uma proeza que a maioria das células imunitárias não consegue realizar — e, uma vez lá, ativaram células assassinas naturais.

Estas células assassinas atacaram então as células cancerígenas, provocando o encolhimento dos tumores.

Matar tumores sem depender de células T

O mecanismo agora descoberto é particularmente interessante porque oferece uma nova abordagem para combater o cancro que não depende das células T, que são o foco de muitos dos atuais tratamentos de imunoterapia.

Embora a imunoterapia se tenha revelado promissora, só funciona em cerca de 20% a 40% dos casos, falhando frequentemente quando o organismo não consegue produzir células T suficientes e funcionais. Na verdade, pensa-se que a dependência da imunidade das células T é uma das principais limitações das atuais abordagens de imunoterapia.

Este novo mecanismo, pelo contrário, oferece uma forma de matar seletivamente os tumores que é independente das células T, potencialmente fornecendo uma solução para os pacientes que não respondem à imunoterapia tradicional.

É importante referir que este estudo foi realizado em ratos e que serão necessários ensaios clínicos para determinar se o mesmo efeito ocorre em humanos.

Embora seja pouco provável que as vacinas contra a COVID desencadeiem este mecanismo (uma vez que não utilizam a sequência completa de ARN do vírus), a investigação abre possibilidades para o desenvolvimento de novos medicamentos e vacinas que possam estimular a produção destes monócitos que combatem o cancro.

Mas as implicações deste estudo vão para além da COVID e do cancro.

Imunidade treinada

O estudo mostra também como o nosso sistema imunitário pode ser treinado por um tipo de ameaça para se tornar mais eficaz contra outro. Este conceito, conhecido como “imunidade treinada”, é uma área de investigação empolgante que poderá conduzir a novas abordagens para o tratamento de uma vasta gama de doenças.

No entanto, é fundamental sublinhar mais uma vez que isto não significa que as pessoas devam procurar a infeção por COVID como forma de combate ao cancro, o que é particularmente perigoso. A COVID grave pode ser fatal e tem muitas consequências graves para a saúde a longo prazo.

Siga o ZAP no Whatsapp

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.