Receitar livros? A biblioterapia faz isso há muito tempo. Conhecer pessoas, saber de psicologia. A actividade não está regularizada em Portugal (ainda).
Há poucos dias, partilhámos a notícia sobre uma Carta Aberta aos partidos políticos e uma Petição Pública, ambas iniciativas da livraria Lello.
O espaço portuense quer que os livros possam ser receitados como parte do tratamento de doenças do foro mental ou psicológico.
A ideia de receitar livros, aconselhar temas literários, é elogiada por muita gente. Até porque há quem confirme que tem um impacto positivo em diversos problemas: solidão, pensamentos suicidas, depressão, sentimentos de renuncia, insatisfação, divórcios, separações…
Mas também terá sido um esquema de marketing da Lello, mais do que uma petição genuína.
Biblioterapia
É que já há biblioterapia há muito tempo. Inclusive em Portugal.
Nessa sessão de terapia literária (que começaram há muito, muito tempo), o biblioterapeuta e o “paciente” – o leitor – conversam sobre o que se passa com o leitor.
Depois de perceber o contexto, são aconselhadas algumas leituras específicas para aliviar os sintomas e representar os temas descritos. A ideia é mostrar, através da leitura, reflexão e exemplo, como vivenciar de forma mais leve o problema, ultrapassar os sentimentos. Ou ajustar, desenvolver.
É uma actividade com vertente preventiva e terapêutica que pode ajudar a superar um problema, ou a tomar uma decisão profissional, por exemplo.
Pode ser feito de forma individual, em casal, ou em grupo.
Tipos de biblioterapia
Numa primeira classificação – há 50 anos – vemos que há biblioterapia institucional: só é feita por profissionais de saúde; tem leitura de textos de carácter didáctico por pessoas institucionalizadas, que depois as discutem com equipas médicas.
A biblioterapia clínica, que não tem de ser feita por profissional de saúde, é uma leitura de ficção por pessoas com problemas emocionais e comportamentais, e o subsequente diálogo com o mediador.
Já a de desenvolvimento passa por ler textos de ficção ou didácticos, por indivíduos ou grupos que enfrentam problemas ou desafios do quotidiano.
Na última década, surgiram outros tipos de biblioterapia, informa Sandra Nobre no seu portal A Biblioterapeuta.
Uma delas é a criativa: leitura de ficção e poesia, individualmente ou em grupo, para promover a saúde mental.
A biblioterapia informal aproveita a experiência dos bibliotecários; foca-se no trabalho quotidiano de promoção da leitura e da formação de leitores para recomendar-lhes livros que possam melhorar o seu bem-estar.
A de auto-ajuda tem livros de não ficção/auto-ajuda, muitas vezes recomendados por médicos, para ajudar a nível prático.
Já a biblioterapia corporativa passa por leitura de livros de ficção ou não-ficção, individualmente ou em grupo, para, por exemplo, humanizar o local de trabalho, encorajar a tomada de decisão, aliviar a resistência à mudança, ajustar comportamentos ou atitudes, incentivar o espírito colaborativo ou desenvolver o pensamento crítico e criativo.
Conhecimento humano
Um biblioterapeuta “tem de ter algum conhecimento de desenvolvimento pessoal e de psicologia”, avisa a biblioterapeuta Diana Carvalho, em conversa com o ZAP.
“Não podes conhecer apenas os livros que vais receitar. Tens de saber lidar com pessoas, fazer perguntas certas…”, continua, avisando que a pessoa que procura a biblioterapia pode anunciar que tem um problema, mas na verdade tem outro. “É preciso ter um grande conhecimento de humanidade”.
Polónia, Brasil ou Inglaterra são adeptos de biblioterapia há anos. E, já em 2024, realizou-se a primeira conferência europeia sobre o assunto.
A actividade não está regularizada em Portugal. Ainda. A biblioterapeuta Cláudia Passarinho conta-nos que esse processo está a decorrer, em conjunto com outras biblioterapeutas.
Cláudia revela que estava a estudar na faculdade (ISPA – Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida) quando ouviu falar sobre a biblioterapia pela primeira vez.
Já em 2021, num atelier, cruzou-se novamente com a actividade. “E a raiz começou a crescer”. Nos últimos dois anos, tem estado em formação para se especializar.
Ficou fascinada porque, explica, sempre considerou que “as palavras têm uma polaridade importante no nosso quotidiano“.
“E como quero que as pessoas se apercebam de que as palavras cuidam da alma, achei que poderia fazer disso um propósito de vida. A biblioterapia não é mais que uma ferramenta para concretizar este propósito: prevenir doenças do foro psíquico e promover a saúde mental através da palavra“, completa Cláudia Passarinho.