Seguir o sal: a nova estratégia para encontrar vida em Marte

NASA/JPL-Caltech/University of Arizona

Imagem de satélite de depósitos de sal em Marte.

Andamos este tempo todo à procura de vida no lugar errado?

Há mais de 20 anos que a abordagem da NASA para encontrar vida em Marte tem sido “seguir a água”, partindo do princípio de que, onde houvesse água, poderia haver vida. Mas pode haver um problema nessa abordagem.

Esta estratégia ignora um mecanismo de sobrevivência alternativo que a vida poderia adotar nas condições secas do planeta, isto é, sem necessidade de água líquida.

O astrobiólogo Dirk Schulze-Makuch sugere, num extenso artigo publicado no Big Think, que as futuras missões a Marte deveriam concentrar-se em áreas ricas em sais higroscópicos, que poderiam proporcionar microambientes que sustentassem a vida através da absorção de água da atmosfera, em vez de dependerem da água líquida.

Do deserto para Marte: uma vida sem água pode ser possível

A busca pela água é uma abordagem lógica, baseada no nosso conhecimento da vida na Terra, onde todos os organismos conhecidos necessitam de água para sobreviver, e a NASA sempre se regiu por esse princípio supostamente fundamental.

As primeiras missões de exploração marciana concentraram-se em seguir o rasto de antigos rios e lagos no Planeta Vermelho, na esperança de encontrar provas de vida. No entanto, a vida pode adaptar-se de várias formas a ambientes extremos, e a água líquida pode não ser a única forma de humidade de que a vida necessita para sobreviver.

A verdade é que há mais de quatro mil milhões de anos, Marte era um planeta rico em água, com lagos, rios e possivelmente até oceanos, mas o clima do planeta mudou drasticamente ao longo do tempo e, atualmente, Marte é seco, estilo deserto na Terra.

Ao estudar ambientes na Terra que se assemelham a Marte, como o deserto de Atacama no Chile, os cientistas aprenderam que a vida pode sobreviver em condições extremamente secas, agarrando-se a qualquer água disponível na atmosfera. Os micróbios nestes ambientes não dependem da água líquida: utilizam sais higroscópicos para extrair água diretamente do ar.

A higroscopicidade (capacidade de certas substâncias absorverem água da atmosfera) é comum em ambientes onde a água à superfície é escassa e permite que certos organismos sobrevivam onde a chuva é praticamente inexistente. Aliás, o excesso de água pode ser fatal para estes organismos. Estudos demonstraram que, durante os raros eventos de chuva no Atacama, o influxo de água sobrecarregou e matou muitas espécies microbianas, um processo conhecido como hiper-hidratação.

A extrema secura de Marte significa que qualquer forma de vida teria de ser ainda mais hábil a sobreviver sem água líquida. Schulze-Makuch argumenta que, se a vida marciana existir, é provável que dependa de sais higroscópicos para capturar a humidade atmosférica, tal como os micróbios do deserto de Atacama.

Missão Viking de Marte foi oportunidade perdida

As sondas Viking da NASA, que chegaram a Marte em 1976, realizaram as primeiras experiências especificamente concebidas para detetar vida noutro planeta. Os resultados da missão foram inconclusivos, em grande parte porque os instrumentos se baseavam em ideias sobre a vida centradas na Terra.

Schulze-Makuch acredita que as Viking podem ter matado sem querer os micróbios marcianos através da introdução de demasiada água nas suas experiências. Não é o único.

Na altura, os cientistas assumiram que a vida em Marte necessitaria de água líquida, tal como acontece na Terra, pelo que as experiências de deteção de vida da Viking foram concebidas com esse pressuposto em mente.

A experiência Labelled Released Experiment, um dos principais testes realizados pela Viking, tinha como objetivo detetar o metabolismo microbiano através da adição de água e nutrientes a amostras de solo marciano. A experiência produziu alguns resultados promissores, mas estes foram mais tarde descartados devido a inconsistências com outros testes.

A adição de água pode ter sido o problema: sobrecarregou potenciais micróbios marcianos adaptados a sobreviver sem ela.

Missões recentes (a Phoenix, a Curiosity e a Perseverance) encontraram desde então compostos orgânicos em Marte que se pensava estarem ausentes com base nos dados da Viking, o que de certa forma suporta estas teorias.

Seguir o sal

A falta de água líquida em Marte é frequentemente citada como a principal razão pela qual o planeta pode ser inóspito para a vida. No entanto, o conceito de atividade da água — por outras palavras, a disponibilidade de água para processos biológicos — oferece uma perspetiva diferente.

Embora Marte possa ser demasiado seco para a vida com base nas medições tradicionais da atividade da água, os ambientes microscópicos podem não ser: os sais higroscópicos podem criar pequenas bolsas com maior atividade da água, suficientes para sustentar a vida microbiana.

Na Terra, isso já se verificou anteriormente. Uma equipa de investigadores observou fenómenos semelhantes em ambientes como lagos de asfalto, onde a atividade global da água é demasiado baixa para a vida, mas gotículas microscópicas de água no asfalto abrigam ecossistemas bacterianos prósperos.

Uma área particularmente promissora para exploração futura é a zona oriental de Margaritifer, onde foram identificados depósitos de sais higroscópicos. Ao visar estas regiões em futuras missões, a NASA poderia, segundo Schulze-Makuch, aumentar as hipóteses de encontrar vida em Marte.

Tomás Guimarães, ZAP //

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