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Chega contra imigração em “dia histórico”. Dois contra-manifestantes agredidos e detidos

José Sena Goulão / LUSA

André Ventura no palco durante manifestação do Chega “Salvar Portugal”

Partido contou quase 3.000 pessoas num protesto contra a imigração “descontrolada”. Houve momentos de tensão, no meio de três grupos.

O presidente do Chega afirmou que este domingo foi “um dia histórico”, dizendo que se juntaram “quase três mil pessoas” em Lisboa para se manifestarem contra a imigração que o partido considera estar descontrolada.

“É uma manifestação histórica, no sentido em que é a primeira vez na história de Portugal em que um grande movimento sai à rua para dizer que quer não acabar com a imigração, mas controlo na imigração“, disse, poucos minutos antes do arranque da manifestação.

Ventura não quis responder sobre a presença de elementos de movimentos de extrema-direita, como Mário Machado, dizendo que quis que “toda a gente que venha a esta manifestação venha por bem”, dizendo que houve um grande esforço do Chega para que o protesto seja seguro.

“Espero que o Governo, espero que a Assembleia da República, espero que o país perceba, se não pararem a tempo, nós também não pararemos. Este movimento não parará de crescer“, disse.

A manifestação arrancou em direção ao Rossio com gritos de “nem mais um, nem mais um”.

André Ventura disse estar a citar números da PSP, que seriam confirmados mais tarde, para falar de cerca de três mil pessoas na rua, o que considerou ter uma razão.

“Portugal está a ter uma imigração descontrolada. Nós estamos, neste momento, entre 10% a 15% de população imigrante. É um número que supera até países históricos de imigração na Europa e o governo socialista, quer este governo, não mostram intenções de mudar essa política”, acusou, dizendo que “é por isso que o povo tem de sair à rua”.

O líder do Chega disse que o partido defende “um país aberto a quem quer vir por bem, a quem quer vir trabalhar“. Questionado como é feito esse controlo, respondeu que anualmente a Assembleia da República terá de definir quotas “e só esses entrariam consoante as necessidades da economia“.

Questionado sobre o que fazer se mesmo esses cometerem crimes, Ventura defendeu que só há uma solução.

“Quem cometer crimes em Portugal, sendo imigrante, só tem um caminho, a deportação. É isso que nós defendemos”, afirmou, alegando que não é isso que tem acontecido em Portugal.

Já sobre a contramanifestação marcada para o Intendente, disse esperar que todos tenham respeito pelas ideias do Chega.

“Espero respeito de todos. Quer os que vieram à nossa manifestação, mas também os que estão do outro lado”, afirmou.

À pergunta se as pessoas que fogem da guerra não devem ser recebidas em Portugal, Ventura respondeu afirmativamente, mas contrapôs que “quem está a vir de Marrocos, quem está a vir do Senegal, quem está a vir do Nepal, não está a vir de nenhuma guerra“.

“Ou nós acabamos com isto ou um dia não haverá país que sobreviva e não há fronteiras que sobrevivam. Hoje é a primeira vez, como digo, que nós vemos milhares de pessoas nas ruas de Lisboa a defender isto”, disse.

Sobre os benefícios da imigração para a segurança social, o líder do Chega argumentou que “o controlo da imigração terá boas consequências na economia”.

“Entrará quem quer vir contribuir e quem quer vir trabalhar e as necessidades da economia portuguesa não entrará quem já não cabe na quota portuguesa”, disse, alegando que a imigração “não pode ser vista só na segurança social”, dizendo que o excesso de imigrantes traz consequências negativas na saúde ou habitação.

O líder do Chega apontou para exemplos que considera negativos, como Alemanha e França: “Nós não nos queremos tornar num desses países caóticos. Não nos queremos tornar num desses países sem controlo de imigração. A Alemanha está agora a mudar as políticas de imigração. Porque é que nós deveremos mantê-la?”.

À hora prevista para o início da manifestação, juntavam se no jardim da Alameda, em Lisboa, mais de um milhar de pessoas com bandeiras do Chega e de Portugal, que iam gritando o nome do partido e do país e entoando o hino nacional.

No local estava um forte dispositivo policial, com várias carrinhas da policia de intervenção.

Cerca de 20 minutos antes do arranque, chegou ao local o líder do movimento de extrema-direita 1143, Mário Machado, acompanhado de algumas dezenas de pessoas, na maioria vestidos de preto, que se concentraram a alguns metros dos manifestantes e entoaram cânticos como ‘Portugal é nosso e há de ser’.

A Amnistia internacional deslocou também para o local três elementos para observar o protesto, designado pelo Chega “Salvar Portugal”.

“Aqui mandamos nós”

O presidente do Chega defendeu que a manifestação deste domingo contra o que o partido considera ser a “imigração descontrolada” foi o “tiro de partida” para um movimento de “reconquista da identidade nacional”.

Num palco montado no Rossio, no final da manifestação em Lisboa que durou cerca de hora e meia desde a Alameda, André Ventura pediu a todos que gritassem o que “a Europa inteira tem de ouvir a partir de Lisboa“.

Aqui mandamos nós, aqui mandamos nós, aqui mandamos nós”, repetiu inúmeras vezes.

O líder do Chega admitiu que “uma manifestação não fará a transformação que Portugal precisa”, mas considerou que o protesto “é o tiro de partida”.

“O país costuma dizer que uma andorinha não faz a primavera, uma manifestação não faz a primavera. Mas é essa primavera lusitana, é essa primavera portuguesa que eu quero que vocês tenham no coração a partir de hoje: o maior movimento de sempre, de reconquista da alma nacional, de reconquista da nossa identidade e de reconquista desta bandeira”, disse em tom alto.

Na audiência, ouviram-se gritos de “Reconquista, reconquista”, que é também o nome de um grupo ultranacionalista de extrema-direita.

Durante o comício e ao longo da manifestação, foram também audíveis os gritos de “Remigração é solução”, outro conceito utilizado pela extrema-direita para o retorno forçado de imigrantes aos países de origem.

No palco, Ventura não usou este termo, mas defendeu que não é ser radical defender que “quem comete crimes deve ser devolvido à sua terra“.

“A esses, sejam eles quem forem nós dizemos: deportação, deportação, deportação”, afirmou.

Num discurso de cerca de meia hora e sem qualquer referência a outros temas de atualidade, como o Orçamento do Estado, o líder do Chega agradeceu aos milhares de pessoas que se juntaram hoje ao protesto do partido, aos voluntários que formaram cordões de à volta dos manifestantes e às forças de segurança, que garantiram que “o direito à manifestação fosse respeitado”.

“Uma grande parte do país queria que hoje não corresse bem. Mas correu”, considerou.

A manifestação, em grande parte do tempo, assemelhou-se a uma grande “arruada” de campanha.

No seu discurso no Rossio, Ventura voltou ao exigir ao Governo “o controlo das fronteiras” e a repetir que Portugal vai a caminho de “15% de população imigrante”.

“Um país sem fronteiras não é um país. É um terreno e uma bandalheira a céu aberto. A nossa luta é por este país e é para defender as fronteiras deste país”, disse.

O líder do Chega pediu que não se comparassem os emigrantes portugueses com os imigrantes que agora chegam ao país, defendendo que os primeiros “foram para trabalhar” e “nunca procuraram regras especiais”.

“O que está a acontecer em Portugal é um país que decidiu, em vez de promover a natalidade dos portugueses, permitir que aqui entrasse toda a gente sem qualquer controlo, sem regra e sem qualquer critério”, disse, rejeitando o rótulo de racista ou xenófobo.

Ventura disse receber queixas de pessoas de insegurança por todo o país e disse já não reconhecer um país onde “há tiroteios e facadas à luz do dia”.

“De repente, pouco a pouco, da habitação à saúde, passando pela nossa segurança, nós esquecemos o lema que devia estar no nosso coração sempre. É que Portugal tem que estar em primeiro lugar. E que os portugueses têm que estar em primeiro lugar”, apontou.

No final, deixou um apelo aos que hoje se juntaram no protesto do Chega: “Não tenham medo. Eles vão invadir-vos de medo nos próximos meses. Eles vão invadir-vos de medo nos próximos anos”, disse, sem explicitar a quem se referia.

“Mas as grandes transformações da história sempre aconteceram assim. Com um país que deixa de estar adormecido e passa a acordar”, afirmou.

Montenegro atento

Luís Montenegro “certamente esteve atento” a estas palavras de André Ventura e “saberá o preço que terá de pagar” se fizer um acordo com o Chega, sugeriu Miguel Santos Carrapatoso na rádio Observador.

Isto aliado a outras palavras de Ventura, horas depois, quando disse na CMTV que o Chega não quer um acordo só para aprovar o Orçamento do Estado 2025 – quer um acordo de 4 anos, que se prolongue até ao fim da legislatura.

“Montenegro percebeu o que esse acordo pode representar para a Aliança Democrática. Terá de tomar uma decisão: se conta ou não com André Ventura. Acho que o dia de ontem (domingo) foi importante para quem, no PSD, ainda vai defendendo um acordo com o Chega“, continuou o comentador político.

Tensão e detenções

O comício terminou por volta das 18:00 e foi o culminar de uma manifestação que tinha saído da Alameda perto da 16:00, com milhares de pessoas a percorrerem cerca de 2,7 quilómetros entre os dois pontos em hora e meia.

Durante todo o percurso, dezenas de voluntários e funcionários do Chega, com coletes amarelos, faziam uma caixa de segurança na frente e nas laterais da manifestação, que foi sempre acompanhada por muitos elementos PSP.

Ventura foi sempre na linha da frente da marcha, ladeado por deputados e dirigentes do partido. No início, um grupo que integrava o líder do movimento de extrema-direita 1143, Mário Machado, tentou colocar-se logo atrás do presidente do Chega, mas foi impedido pelos seguranças do partido, seguindo mais atrás.

A manifestação teve momentos de tensão, um deles com detenções, quando o desfile se aproximava de uma concentração pró-imigrantes.

O primeiro momento de tensão aconteceu junto à igreja dos Anjos, mais ou menos a meio da Avenida Almirante Reis, onde um grupo de cerca de 20 jovens com a cara tapada esperava pela passagem da manifestação.

A polícia presente no local imediatamente formou um cordão de segurança para impedir qualquer contacto entre os dois grupos.

Os jovens de cara tapada mantiveram-se em silêncio, à medida que a manifestação passava, enquanto os manifestantes gritavam palavras de ordem, insultos ou cantavam o hino nacional.

Posteriormente, entre os Anjos e o Intendente, dois jovens foram detidos pela polícia, constatou a Lusa no local.

Os dois jovens, um rapaz e uma rapariga, estariam a gritar “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais”, quando uma pessoa da manifestação contra a imigração se dirigiu aos dois e os agrediu com um soco:

A polícia imobilizou os dois jovens, que foram detidos por “resistência e coação a funcionário”, explicou a PSP em comunicado. Quatro pessoas da manifestação foram identificadas por “infração à lei de segurança privada”.

Na passagem pela zona do Intendente, um forte dispositivo policial impediu qualquer contacto entre os manifestantes e o grupo de cidadãos que estava no largo, com faixas pró-imigração.

ZAP // Lusa

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