“Nenhum tribunal estrangeiro nos vai parar”: deportações vão ocorrer “aconteça o que acontecer”, garante o primeiro-ministro conservador. Primeiros voos podem começar já daqui a 10 a 12 semanas.
Após várias semanas de impasse, o Parlamento britânico aprovou esta terça-feira a proposta de lei que permite o início dos voos de deportação para o Ruanda dos requerentes de asilos que entrem ilegalmente no Reino Unido.
Os membros da Câmara dos Lordes (câmara alta) concordaram em não apresentar mais alterações e votaram a favor da proposta, reconhecendo o Ruanda como um destino seguro, depois de meses de debates e críticas da oposição.
O plano, anunciado há dois anos pelo primeiro-ministro conservador, Rishi Sunak, pode entrar em vigor após a ratificação por parte do rei Carlos III, disse a televisão pública britânica BBC.
A nova legislação também permite ao Governo ignorar providências cautelares do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
“Quem chegar ilegalmente não pode ficar”
Rishi Sunak espera que o plano dissuada migrantes de entrarem ilegalmente no país, onde este ano já chegaram 6.265 depois de atravessarem o canal da Mancha.
O primeiro-ministro britânico qualificou a aprovação da legislação como uma “mudança fundamental na equação global da migração”.
A chamada Lei do Ruanda, argumentou Sunak, “pretende dissuadir os migrantes vulneráveis de fazerem travessias perigosas e romper o modelo de negócio dos grupos criminosos que os exploram”.
“A aprovação desta legislação vai permitir-nos fazer isso e tornar muito claro que quem vier para cá ilegalmente não poderá ficar“, vincou.
“Nenhum tribunal estrangeiro nos vai parar“, declarou Sunak, prometendo que as deportações para o Ruanda vão ocorrer “aconteça o que acontecer“.
O Ministro do Interior, James Cleverly, sublinhou, num vídeo publicado nas redes sociais, que a legislação vai “impedir que as pessoas abusem da lei, utilizando falsas alegações de direitos humanos para bloquear as expulsões, e torna claro que o Parlamento britânico é soberano“.
Críticas
A proposta de lei, apoiado num novo tratado entre Londres e Kigali, ao abrigo do qual Londres vai pagar quantias substanciais ao Ruanda em troca do acolhimento de migrantes, pretendia responder ao Supremo Tribunal britânico, que decidiu, em novembro, que o plano era ilegal “uma vez que existem motivos substanciais para acreditar que os requerentes de asilo enfrentariam um risco real de maus-tratos devido à repulsão para o seu país de origem se fossem levados para o Ruanda”.
A repulsão é a prática em que os requerentes de asilo ou refugiados são devolvidos à força a um local onde enfrentariam perseguição ou perigo, contra princípios importantes do direito internacional dos direitos humanos.
O sistema de asilo do Ruanda e incumprimento de acordos de não repulsão deveriam, segundo os juízes, impedir o Governo britânico de considerar o país seguro.
Segundo a CNN, os eurodeputados referem ainda que, ainda em 2021, o governo britânico criticou o Ruanda por “execuções extrajudiciais, mortes sob custódia, desaparecimentos forçados e tortura”.
A Câmara dos Lordes também tinha atrasado a aprovação da proposta, exigindo que um órgão independente confirmasse o estatuto do Ruanda como um país seguro.
Vários grupos e organizações humanitárias têm criticado esta legislação por considerarem que viola o direito internacional.
ONU pede ao Governo para reconsiderar plano
O plano do Governo tem sido criticado pela oposição trabalhista, associações de apoio aos migrantes, a Igreja Anglicana e pelo Alto-Comissário da ONU para os Direitos Humanos, que considerou ser “contra os princípios fundamentais dos direitos humanos”.
Volker Türk e o homólogo responsável pelos refugiados, Filippo Grandi, apelaram ao Governo britânico para que “tome medidas concretas para combater os fluxos irregulares de refugiados e migrantes, com base na cooperação internacional e no respeito pelo direito internacional em matéria de direitos humanos”.
Segundo o Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, a legislação “levanta questões importantes sobre os direitos humanos dos requerentes de asilo e sobre o Estado de direito em geral”.
“O governo britânico deve abster-se de deportar pessoas ao abrigo do plano Ruanda e reverter o ataque à independência do poder judicial que este projeto de lei constitui”, afirmou Michael O’Flaherty, em comunicado.
De acordo com o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), esta lei viola a Convenção de Genebra sobre os Refugiados, que o Reino Unido assinou, disse em 2022. O responsável sublinhou ainda que o registo “sombrio” do Ruanda em termos de direitos humanos torna a ideia ainda pior.
Enver Solomon, diretor executivo do Conselho para os Refugiados, uma organização não governamental sedeada no Reino Unido, considerou na altura que este acordo representa “uma decisão cruel e desagradável” e que não irá deter os bandos de tráfico de pessoas.
Governo do Ruanda “satisfeito”
O Ruanda é um dos países mais estáveis do continente africano, mas o Presidente, Paul Kagame, no poder há 24 anos, é acusado de governar num clima de medo, reprimindo a dissidência e a liberdade de expressão.
No ano passado foram contabilizados 29.437 migrantes ilegais que chegaram em embarcações como barcos de borracha, uma redução de 36% face aos 45.774 de 2022.
“Quando levarem as pessoas para o Ruanda, ao princípio vai correr tudo bem”, confessou em janeiro um ruandês a quem foi concedido asilo no Reino Unido, ao Observer, citado pelo The Guardian, “mas assim que começarem a reivindicar os seus direitos — por exemplo, se quiserem fazer uma manifestação – vão ter grandes problemas.”
“Se nos queixarmos do governo do Ruanda, os serviços de segurança batem-nos à porta”, disse: “O Ruanda é uma ditadura muito bem organizada e muito bem camuflada“, rematou.
O Governo do Ruanda manifestou-se satisfeito com a votação no parlamento britânico do polémico projeto de lei que permite a expulsão para aquele país africano dos requerentes de asilo que entraram ilegalmente no Reino Unido.
Primeiros voos arrancam em breve
Sunak afirmou, na segunda-feira, que os primeiros voos de deportação de migrantes para o Ruanda poderão começar em 10 a 12 semanas.
Antecipando recursos judiciais que podem demorar quatro a oito semanas, o chefe do Governo disse que o espaço para deter migrantes foi aumentado para 2.200 espaços, 200 trabalhadores treinados e dedicados para analisar processos, 25 salas de tribunal disponibilizadas e 150 juízes identificados para avaliar os casos.
ZAP // Lusa