Cientistas roubaram uma mutação ao cancro para o matar

ZAP // Dall-E-2

Células T do sistema imunológico atacam e eliminam células cancerígenas (conceito artístico)

Uma nova abordagem terapêutica para o cancro está prestes a chegar. Chama-se “terapia com células T de judo” e promete ser 100 vezes mais potente do que o tratamento com células CAR-T.

A terapia das células CAR-T surgiu há pouco mais de 10 anos e veio revolucionar o tratamento do cancro.

Este tratamento, com base na imunoterapia, é capaz de “treinar” células T do sistema imunológico para que estas ataquem e eliminem as células cancerígenas.

Desde a sua primeira aplicação, em 2017, este tratamento tem sido amplamente usado em alguns tipos de cancro, como o na leucemia linfoblástica aguda ou o linfoma não-Hodgkin.

No entanto, as células CAR-T não são uma boa opção de tratamento para casos de  tumores sólidos. A própria morfologia do tumor cria um microambiente no qual é difícil as células T penetrarem. Até então, este era um dos grandes obstáculos à eficiência deste tratamento.

Mas um novo estudo, apresentado num artigo publicado no início deste mês na Nature, pretende adaptar a terapia das células CAR-T para este tipo de tumores.

Para tal, uma equipa de investigadores “roubou” uma mutação às células cancerígenas e colocou-as nas células CAR-T.  Desta forma, foi possível eliminar tumores sólidos em ratos.

“Usámos as mutações que conferem às células cancerígenas a capacidade de permanência para conceber a nova ‘terapia de células T judo’“, explica Kole Roybal, corresponding author do estudo, em comunicado da UCSF.

“Estas novas células são mais robustas e conseguem atacar as células cancerígenas em ambientes mais adversos, como aqueles que encontramos nos tumores sólidos”, acrescenta o investigador.

No tratamento com células CAR-T é extraído ao paciente uma amostra de sangue, que contêm as células T, um tipo de glóbulo branco que faz parte do sistema imunitário.

Em laboratório, as células T são expostas a “recetores de antigénios quiméricos” (CARs), de modo a que estes reconheçam os recetores como inimigos e, por isso, os considerem alvos a abater.

Uma vez que estes recetores existem nas membranas das células cancerígenas, as células CAR-T tornam-se capazes de as eliminar quando reintroduzidas no organismo do paciente.

Porém, como cerca de 90% dos tumores diagnosticados em adultos são tumores sólidos, torna-se difícil aplicar este tratamento. Além disso, foi também observado que, em certos casos, as células tumorais são capazes de enganar as células CAR-T e fazer com que estas as ajudem a sobreviver.

De facto, as células cancerígenas têm uma capacidade de resistência e proliferação assustadora. E eis que, com base nisso se colocou a hipótese de talvez existirem mutações nas células T cancerígenas (que originam linfomas) que possam ser usadas para melhorar a eficácia das células CAR-T.

“A função natural das células T não é boa o suficiente. Precisamos de explorar os extremos da sua função, para perceber até onde podemos ir”, disse Roybal em entrevista à revista Nature.

Neste sentido, os investigadores analisaram as células T cancerígenas de um conjunto de pacientes e conseguiram identificar 71 mutações. De seguida, criaram vários tipos de células CAR-T, cada uma com uma destas mutações.

Por fim, testaram a capacidade destas novas células para eliminar tumores sólidos e os resultados foram surpreendentes.

Uma mutação em particular foi capaz de aumentar a potência das células CAR-T em cerca de 100 vezes, um valor absolutamente extraordinário.

Os resultados foram obtidos em modelos de ratos com tumores do sangue, pele, pulmão e estômago.

“Não sabemos exatamente o mecanismo, mas tudo indica que, com esta mutação, as células CAR-T conseguem penetrar melhor nos microambientes do tumor, bem como aumentar a sua capacidade de matar e eliminar células cancerígenas”, explica o co-autor do estudo Jaehyuk Choi.

Porém, algumas pessoas tratadas anteriormente com células CAR-T apresentaram cancros secundários. Embora não se saiba se existe uma relação direta entre ambos os efeitos, a verdade é que esta é uma das preocupações do momento.

Os estudos realizados em animais sugerem que a nova abordagem é segura, mas os investigadores pretendem aprofundar o conhecimento e garantir que, esta nova mutação, não vai “ligar” nenhum interruptor molecular nem desencadear um linfoma.

A start-up Moonlight Bio é responsável por desenvolver a terapia com células CAR-T mais potentes. O seu primeiro alvo é o cancro do pulmão e os investigadores esperam iniciar os ensaios clínicos dentro de alguns anos.

Até lá, prometem continuar a caçar mutações que possam melhorar ainda mais a robustez da técnica.

Patrícia Carvalho, ZAP //

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