Um novo estudo sugere que a perda de memória causada por embates repetitivos na cabeça, muito comum em atletas, pode ser reversível.
Através da ativação de neurónios específicos em modelos de ratos, uma equipa de investigadores da Universidade de Georgetown e do Trinity College conseguiu neutralizar a amnésia e recuperar a memória.
A investigação promete abrir caminho para o desenvolvimento de novas terapias com visto à recuperação da função cognitiva.
O grupo de investigadores tentou compreender por que razão pessoas sujeitas a embates repetitivos com a cabeça estão associadas a uma perda de memória gradual e porque é que um traumatismo craniano é sinónimo de amnésia.
Estes efeitos são mais comuns em atletas profissionais, uma vez que estes sofrem mais impactos na cabeça ao longo da sua vida.
Imagine que todos os dias vai para casa pelo mesmo caminho, seguindo sempre o mesmo trajeto. Num dos dias, há um acidente na via e precisa de procurar um caminho alternativo para chegar a casa.
É normal que demore mais algum tempo a chegar, já que não está habituado a realizar este percurso e, por isso, não o faz de forma automática.
É exatamente isto que acontece no cérebro quando é alvo de embates repetitivos. Perante um impacto forte, o cérebro adapta-se e altera o caminho que as sinapses percorrem.
Por consequência, o cérebro vai estimular mais uns neurónios do que outros e, portanto, torna-se mais difícil guardar novas memórias e aceder às mais antigas.
Este efeito já tinha sido observado pelos investigadores em experiências anteriores. No entanto, só agora é que se percebeu que através da estimulação de determinados neurónios, é possível recuperar memórias perdidas.
De facto, a perda de memória atribuída a traumatismos cranioencefálicos, ou repetitivos embates, não é um evento patológico permanente, similar aos causados por doenças neurodegenerativas. É um efeito pontual que, ao tudo indica, pode ser revertido.
“A nossa investigação dá-nos esperança para desenvolver tratamentos capazes de reverter o cérebro ao seu estado original, e assim recuperar a função cognitiva em pacientes com amnésia ou algum tipo de perda de memória associada a impactos repetitivos na cabeça”, explica Mark Burns, autor do estudo, que foi publicado esta semana no Journal of Neuroscience.
Enquanto que os jogadores de futebol universitário recebem cerca de 21 impactos na cabeça por semana, os pontas defensivas recebem cerca de 41, no mesmo período de tempo.
Nesta experiência procurou-se imitar, em modelos de ratos, a experiência de um jogador de futebol universitário pelo que cada impacto foi extraordinariamente leve.
“A maioria das investigações nesta área é feita em pacientes com encefalopatia traumática crónica, uma doença degenerativa encontrada em pessoas com histórico de sucessivos impactos na cabeça”, explica Burns.
“Neste caso, queríamos entender de que forma é que o cérebro se adapta, em resposta a impactos de baixa intensidade, similares aqueles que os jovens sofrem quando jogam futebol, por exemplo”, acrescenta.
Para tal, dois grupos de ratos foram treinados para guardar uma nova memória, que nunca tinham visto antes.
Um dos grupos foi exposto a impactos leves na cabeça durante uma semana (similar ao contacto físico em desportos de alta competição), e o outro grupo não foi recebeu nenhum impacto. Uma semana depois, os ratos que sofreram impactos leves não conseguiram recuperar a nova memória.
Através de uma técnica de imagem foi possível ver, em ambos os grupos de ratos, que neurónios é que estavam envolvidos no processo de memória aprendizagem. A estes neurónios dá-se o nome de células engram.
Quando uma memória está a ser formada, surge no cérebro um padrão específico de atividade neuronal. Este padrão é armazenado pelas células engram, sendo possível relembrar e reter a memória através deste grupo específico de neurónios.
“Somos bons a associar memórias a lugares. Quando regressamos a determinado sítio, ou vemos uma fotografia desse local, ativamos as nossas células engram referentes a essa memória específica. E por isso é que analisamos os neurónios de engrama, de modo a procurar a assinatura específica de um neurónio ativado”, explica Daniel P. Chapmand, autor principal do estudo.
Segundo Chapmand, quando os ratos do grupo controlo viram a sala onde aprenderam a primeira memória, conseguiram facilmente resgatar a lembrança por ativação do respetivo neurónio engram.
Já os ratos do outro grupo, sujeito a embates na cabeça, não foram capazes de aceder a esta mesma memória.
Tal acontece porque, neste grupo, as células engram não foram ativadas, o que significa que a ausência de estimulação destas células é a principal causa da amnésia e perda de memória gradual.
“Usámos uma técnica invasiva para reverter a perda de memória nos nossos ratos, com recurso a laser. No entanto, e apesar do sucesso dos resultados, não a podemos usar em humanos”, afirma Burns.
“Neste momento estamos a estudar uma série de técnicas não invasivas para tentar comunicar com o cérebro e mostrar-lhe que ele não está em perigo e que pode voltar a percorrer os mesmos caminhos sinápticos que anteriormente”, acrescenta por fim o autor.