O melhor sítio para encontrar vida não é o que os cientistas esperavam

Instituto Leibniz de Astrofísica em Potsdam/J. Fohlmeister

Ilustração do sistema 51 Pegasi e do seu campo magnético medido. A “travagem magnética fraca” detetada em 51 Peg representa uma mudança relativamente súbita que torna o ambiente magnético mais estável. O estudo atual sugere que o Sol já fez esta transição, apoiando o desenvolvimento de vida mais complexa.

Os cientistas supuseram, em tempos, que as estrelas aplicavam um eterno “travão” magnético, provocando um abrandamento interminável na sua rotação.

Com novas observações e métodos sofisticados, espreitaram agora os segredos magnéticos de uma estrela e descobriram que não é o que esperavam.

Os locais cósmicos críticos para encontrar vizinhos extraterrestres podem situar-se em torno de estrelas que estão a entrar na sua crise da meia-idade e mais além.

Este estudo inovador, que lança luz sobre fenómenos magnéticos e ambientes habitáveis, foi publicado na revista The Astrophysical Journal Letters.

Em 1995, os astrónomos suíços Michael Mayor e Didier Queloz anunciaram a primeira descoberta de um planeta para lá do nosso Sistema Solar, em órbita de uma distante estrela semelhante ao Sol conhecida como 51 Pegasi.

Desde então, foram encontrados mais de 5500 exoplanetas em órbita de outras estrelas da nossa Galáxia e, em 2019, os dois cientistas partilharam o Prémio Nobel da Física pelo seu trabalho pioneiro.

Na semana passada, uma equipa internacional de astrónomos publicou novas observações de 51 Pegasi, sugerindo que o atual ambiente magnético em torno da estrela pode ser particularmente favorável ao desenvolvimento de vida complexa.

Estrelas como o Sol nascem a girar depressa, o que cria um forte campo magnético que pode entrar em erupção de forma violenta, bombardeando os seus sistemas planetários com partículas carregadas e radiação nociva.

Ao longo de milhares de milhões de anos, a rotação da estrela abranda gradualmente à medida que o seu campo magnético é arrastado por um vento que flui a partir da sua superfície, um processo conhecido como travagem magnética.

A rotação mais lenta produz um campo magnético mais fraco e ambas as propriedades continuam a diminuir em conjunto, alimentando-se uma à outra. Até há pouco tempo, os astrónomos assumiam que a travagem magnética continuava indefinidamente, mas novas observações começaram a desafiar esta suposição.

“Estamos a reescrever os manuais sobre a forma como a rotação e o magnetismo em estrelas mais antigas como o Sol mudam para lá da sua meia-idade”, diz o líder da equipa Travis Metcalfe, investigador da WDRC (White Dwarf Research Corporation) em Golden, no estado norte-americano do Colorado.

“Os nossos resultados têm consequências importantes para as estrelas com sistemas planetários e para as suas perspetivas de desenvolvimento de civilizações avançadas”, diz o astrónomo.

Klaus Strassmeier, diretor do Instituto Leibniz de Astrofísica em Potsdam, Alemanha, coautor do estudo, acrescenta: “isto deve-se ao facto da travagem magnética enfraquecida também ‘estrangular’ o vento estelar e tornar menos prováveis devastadores eventos eruptivos”.

A equipa de astrónomos dos EUA e da Europa combinou observações de 51 Pegasi feitas pelo TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite) da NASA com medições de ponta do seu campo magnético feitas pelo LBT (Large Binocular Telescope) no estado norte-americano do Arizona, utilizando o instrumento PEPSI (Potsdam Echelle Polarimetric and Spectroscopic Instrument).

Embora o exoplaneta que orbita 51 Pegasi não passe em frente da sua estrela-mãe, da perspetiva da Terra, a própria estrela mostra variações subtis de brilho nas observações do TESS, que podem ser usadas para medir o raio, a massa e a idade – uma técnica conhecida como asterossismologia.

Entretanto, o campo magnético da estrela imprime uma pequena quantidade de polarização na luz estelar, permitindo ao PEPSI do LBT criar um mapa magnético da superfície da estrela à medida que esta gira – uma técnica conhecida como Imagiologia Zeeman-Doppler.

Em conjunto, estas medições permitiram à equipa avaliar o atual ambiente magnético em torno da estrela.

Observações anteriores do telescópio espacial Kepler da NASA já sugeriam que a travagem magnética poderia diminuir substancialmente para lá da idade do Sol, cortando a estreita relação entre rotação e magnetismo nas estrelas mais velhas.

No entanto, as evidências desta mudança eram indiretas, baseando-se em medições da rotação de estrelas com uma vasta gama de idades.

Era evidente que a rotação deixava de abrandar algures perto da idade do Sol (4,5 mil milhões de anos), e que o enfraquecimento da travagem magnética nas estrelas mais velhas podia reproduzir este comportamento.

No entanto, apenas medições diretas do campo magnético de uma estrela podem estabelecer as causas subjacentes, e os alvos observados pelo Kepler eram demasiado ténues para observações do LBT.

A missão TESS começou a recolher medições em 2018 – semelhantes às observações do Kepler, mas para as estrelas mais próximas e mais brilhantes do céu, incluindo 51 Pegasi.

Ao longo dos últimos anos, a equipa começou a usar o PEPSI do LBT para medir os campos magnéticos de vários alvos do TESS, construindo gradualmente uma nova compreensão de como o magnetismo muda em estrelas como o Sol à medida que envelhecem.

As observações revelaram que a travagem magnética muda subitamente em estrelas ligeiramente mais jovens do que o Sol, tornando-se mais de 10 vezes mais fraca nesse ponto e diminuindo ainda mais à medida que continuam a envelhecer.

A equipa atribuiu estas alterações a uma mudança inesperada na força e na complexidade do campo magnético, e à influência dessa mudança no vento estelar. As propriedades recentemente medidas de 51 Pegasi mostram que – tal como o nosso Sol – já passou por esta transição para uma travagem magnética enfraquecida.

“É muito gratificante que o LBT e o PEPSI tenham sido capazes de revelar uma nova perspetiva sobre este sistema planetário que desempenhou um papel tão importante na astronomia exoplanetária”, diz Klaus Strassmeier, investigador principal do espetrógrafo PEPSI. “Esta investigação é um importante passo em frente na procura por vida na nossa Galáxia.”

No nosso próprio Sistema Solar, a transição da vida dos oceanos para a terra ocorreu há várias centenas de milhões de anos, coincidindo com a altura em que a travagem magnética começou a ficar mais fraca no Sol.

As estrelas jovens bombardeiam os seus planetas com radiação e partículas carregadas que são hostis ao desenvolvimento de vida complexa, mas as estrelas mais velhas parecem proporcionar um ambiente mais estável.

De acordo com Travis Metcalfe, as descobertas da equipa sugerem que os melhores locais para procurar vida para lá do nosso Sistema Solar podem estar em torno de estrelas de meia-idade ou mais velhas.

// CCVAlg

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