Quando se faz um ferimento é comum tomar um antibiótico para prevenir infeções futuras. No entanto, os seres humanos não são os únicos seres vivos capazes de evitar infeções com antibióticos. Algumas formigas desenvolveram também a invulgar capacidade de o fazer.
São conhecidas como formigas Matabele e são capazes de tratar ferimentos com antibióticos que elas próprias produzem e secretam.
Os resultados deste novo estudo, publicado em dezembro na revista Nature Communications, poderá levar ao desenvolvimento de novos antibióticos.
As formigas Matabele, Megaponera analis, habitam na região da África subsaariana e organizam-se em enormes colónias.
Alimentam-se essencialmente de térmitas, muito abundantes na região. No entanto, a sua dieta restrita pode ter consequências diretas para a sua sobrevivência.
Também as térmitas habitam em colónias fortemente vigiadas, que desenvolveram os seus próprios métodos de defesa e sobrevivência. Quando o inimigo se aproxima, as térmitas colocam-se numa posição de defesa e utilizam as suas poderosas mandíbulas para afastar os atacantes.
Isto resulta em graves ferimentos para as formigas durante as suas missões de caça. Estima-se que cerca de 22% das formigas Matabele sofram ferimentos graves durante a sua busca por alimento.
Já era sabido que dentro desta complexa organização, as formigas Matabele ilesas carregavam as suas companheiras feridas de volta às colónias. Quando em segurança, estas lambem os ferimentos das suas companheiras durante vários minutos.
O motivo pelo qual isto acontecia era desconhecido. Mas uma nova descoberta veio deslindar o véu deste mistério.
No novo estudo, os cientistas compararam as substâncias químicas produzidas por formigas com feridas infetadas e não infetadas. Os resultados indicaram que, quando uma ferida se infeciona, o perfil de hidrocarbonetos do exosqueleto da formiga se altera. E ao que tudo indica, as outras formigas têm a capacidade de perceber essa alteração e assim atuar no salvamento das suas companheiras.
Mas a astúcia das formigas Matabele consegue ir mais além. Estas não só conseguem identificar as feridas infetadas das não infetadas, como são ainda capazes de tratar as feridas infetadas.
Para tal, as formigas ilesas produzem uma substância através das suas glândulas metapleurais, localizadas nas suas costas, e aplicam-la diretamente sobre os ferimentos das suas companheiras. Esta substância contém mais de 50 componentes diferentes com várias propriedades antimicrobianas e cicatrizantes.
Este tratamento relevou-se ainda altamente eficaz. Quando as formigas infetadas foram deslocadas do formigueiro e desprovidas de tratamento, a taxa de mortalidade foi de 90% em apenas 36 horas. Ao invés, quando estas foram mantidas na colónia e sujeitas a tratamento, a taxa de mortalidade diminui para 22% em igual período.
“Com exceção dos seres humanos, não conheço nenhum outro ser vivo capaz de tratar ferimentos de uma forma tão sofisticada”, explica à Smithsonian Magazine o primeiro autor do estudo, Erik Frank, ecologista animal da Universidade de Würzburg, na Alemanha.
O desenvolvimento destes mecanismos de sobrevivência faz todo o sentido nestes seres vivos. As formigas são organismos extremamente habilidosos, capazes de se organizar em “sociedades” complexas onde cada formiga tem a sua função. Além de se coordenarem entre si, são também capazes de construir colónias, comunicar e desenvolver táticas de caça bastante eficientes.
“Sem estas estratégias de sobrevivência, a força de trabalho diminuiria muito rapidamente”, afirma Ken Cheng, especialista em comportamento animal pela Universidade Macquarie, na Austrália.
Um dos principais patógenos que infetam as formigas Matabele é a Pseudomonas aeruginosa, uma bactéria que é também capaz de infetar seres humanos. Algumas das estirpes deste patógeno são já resistentes a alguns antibióticos comercializados.
É nesta questão que reside a grande importância deste estudo – assim que os componentes libertados pelas formigas Matabele forem isolados e identificados, poderemos perceber de que forma é que estes poderão ser utilizados por nós.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a resistência antimicrobiana é uma das principais ameaças globais à saúde pública.
Segundo um relatório da OMS, estima-se que a resistência a antibióticos foi diretamente responsável por 1,27 milhões de mortes globais em 2019, tendo contribuído indiretamente para 4,95 milhões de mortes.