Pela primeira vez, neurocientistas conseguiram captar e descrever em detalhe a dinâmica cerebral da “onda da morte”, fornecendo novas perspetivas sobre o processo neurológico da morte.
Num estudo inédito, uma equipa de neurocientistas do Institut du Cerveau de Paris (ICP) identificou e descreveu a cadeia de alterações que ocorrem no cérebro após um período prolongado de privação de oxigénio, conhecido como anoxia.
O estudo, recentemente publicado na Neurobiology of Disease, revela que quando o cérebro é privado de oxigénio, as reservas de Adenosina Trifosfato (ATP), moléculas essenciais para a função celular, esgotam-se rapidamente.
Esta carência de ATP resulta numa perturbação do equilíbrio elétrico dos neurónios e numa libertação significativa de glutamato, um neurotransmissor chave.
Numa primeira fase, realizado em ratinhos, os circuitos neurais parecem desligar-se, a que se segue então um aumento da atividade cerebral, particularmente em ondas gama e beta.
“Estas ondas, geralmente associadas a experiências conscientes, podem estar envolvidas em experiências de quase-morte de indivíduos que sobreviveram a uma paragem cardiorrespiratória”, explica Séverine Mahon, investigadora do ICP e corresponding author do estudo, em nota publicada no EurekAlert.
Após este aumento brusco de atividade cerebral, a atividade neuronal diminui gradualmente até se atingir um estado de silêncio elétrico completo, indicado por um eletroencefalograma (EEG) plano.
No entanto, este silêncio é interrompido por um fenómeno conhecido como despolarização anóxica, marcado por uma onda de alta amplitude referida como a “onda da morte“.
“Este evento é um marcador crítico da transição para a cessação de toda a atividade cerebral e induz a morte neuronal em todo o córtex”, explica Antoine Carton-Leclercq, também investigador do ICP e co-autor do estudo.
Anteriormente, a origem e o padrão de propagação da onda da morte no córtex eram desconhecidos.
A equipa de investigadores descobriu que esta “onda da morte” tem origem nos neurónios piramidais localizados na camada 5 do neocórtex e propaga-se em duas direções: para cima, em direção à superfície do cérebro, e para baixo, em direção à substância branca.
Este padrão foi consistente em várias condições experimentais, levando os investigadores a acreditar que também deverá existir em humanos.
O estudo permitiu ainda concluir que as camadas mais profundas do córtex, particularmente os neurónios piramidais energeticamente intensivos da camada 5, são mais vulneráveis à privação de oxigénio.
No entanto, quando os investigadores reoxigenaram os cérebros dos ratos, as células conseguiram repor as suas reservas de ATP, levando à repolarização dos neurónios e à restauração da atividade sináptica.
“Este estudo avança o nosso entendimento dos mecanismos neurais subjacentes às alterações na atividade cerebral à medida que a morte se aproxima”, afirma o professor Stéphane Charpier, líder da equipa de investigadores.
O estudo estabelece assim que um “EEG plano” não significa necessariamente o cessar definitivo das funções cerebrais – sendo possível, em determinadas circunstâncias, reverter situações de morte cerebral.