O bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, decidiu abrir um processo interno para investigar a ação dos profissionais envolvidos no caso das gémeas tratadas no Hospital de Santa Maria com o Zolgensma.
Em declarações à CNN Portugal, Carlos Cortes confirmou a abertura do inquérito, visando apurar responsabilidades a nível clínico e de tomada de decisão. “Pedi, por isso, para que fosse apurado a intervenção dos médicos envolvidos, do diretor clínico, Luís Pinheiro, e também do então secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales, que também é médico”, explica.
O Hospital de Santa Maria já forneceu à Ordem dos Médicos as informações solicitadas sobre os procedimentos utilizados no caso.
O caso das gémeas, envolve a compra do Zolgensma para tratar atrofia muscular espinhal, uma doença rara, ao custo de dois milhões de euros por paciente.
Levy Gomes, diretor de Neuropediatria do Hospital de Santa Maria, em entrevista à TVI/CNN Portugal, descreveu o processo como anormal, mencionando alegadas pressões e telefonemas da secretária da ministra Marta Temido e do ex-secretário de Estado Lacerda Sales.
De acordo com documentos obtidos pela CNN Portugal, foi Lacerda Sales quem solicitou a primeira consulta das crianças no Santa Maria e aparece nos documentos relacionados com o pedido do medicamento ao Infarmed. Há indícios de que Lacerda Sales se encontrou com Nuno Rebelo de Sousa, filho do presidente da República, no Ministério da Saúde.
Além de esclarecer o papel dos médicos e do ex-secretário de Estado, o bastonário enfatiza a importância de determinar se houve desigualdade no tratamento. Este inquérito surge num contexto de preocupações sobre a equidade e transparência nos procedimentos médicos e na administração de tratamentos de alto custo, refletindo a necessidade de um escrutínio rigoroso nas práticas de saúde pública.
“Inqualificável intromissão”
O ex-secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales considerou nesta terça-feira o inquérito aberto pela Ordem dos Médicos ao caso das gémeas luso-brasileiras tratadas em Portugal como uma “inqualificável intromissão na atividade de um órgão de soberania”.
Em declarações à Rádio Renascença (RR), o médico e antigo governante acrescentou que não marcou a consulta no Serviço Nacional de Saúde (SNS) para as gémeas luso-brasileiras, que receberam no Hospital de Santa Maria um tratamento com um medicamento inovador no valor de quatro milhões de euros.
Lacerda Sales garantiu que “nunca falou do assunto” com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, nem com o primeiro-ministro, António Costa, ao mesmo tempo que disse não se recordar e aguardar documentação para se pronunciar sobre uma reunião que terá tido com Nuno Rebelo de Sousa, filho do Presidente da República, que alegadamente terá metido uma cunha para o tratamento das crianças.
O bastonário da Ordem dos Médicos (OM), Carlos Cortes, disse à Lusa que pediu ao Conselho Disciplinar da Região Sul da Ordem dos Médicos que avalie o comportamento dos médicos envolvidos no caso das gémeas luso-brasileiras para perceber se há matéria disciplinar em que possa ter intervenção.
“Ontem [segunda-feira], perante toda a informação que nos tem chegado pedi ao Conselho Disciplinar para avaliar este caso e para avaliar, obviamente, os médicos”, inclusive o ex-secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, disse Carlos Cortes.
O bastonário salientou que a OM tem capacidade para avaliar todos os médicos, “os seus comportamentos, as suas decisões, ao obrigo de parâmetros éticos e deontológicos, ao abrigo das boas práticas da medicina, ao abrigo do comportamento médico, independentemente do seu nível de decisão”.
Em resposta a estas declarações, Lacerda Sales disse à Renascença que “tem a consciência tranquila”. “Relativamente ao processo de inquérito promovido pela Ordem dos Médicos, em que o bastonário Dr. Carlos Cortes pretende que seja apurada, entre outros, a minha atuação enquanto secretário de Estado, eu diria que mais me parece uma oportunidade para o Dr. Carlos Cortes usufruir dos seus cinco minutos de atenção e fama por parte da comunicação social”, disse Lacerda Sales.
“Além deste alcance dos cinco minutos de fama, não se depreende qualquer outro alcance deste processo de inquérito, uma vez que à data qualquer que tenha sido a minha atuação não o foi enquanto médico, mas enquanto secretário de Estado. Por isso, eu diria que estamos perante uma sindicância da Ordem dos Médicos a um órgão de soberania do qual fiz parte, com muito orgulho, e que me parece uma inqualificável intromissão na atividade do órgão de soberania por parte da Ordem dos Médicos”, frisou.
Lacerda Sales manifestou à rádio a sua disponibilidade para responder perante qualquer órgão. O antigo governante, que fez parte da equipa da ministra Marta Temido, reiterou na entrevista que “nenhum secretário de Estado nem ninguém tem o poder para marcar uma consulta no SNS, nem para poder influenciar ou violar a consciência ou a autonomia de um médico”.
ZAP // Lusa