A autarquia de Miranda do Douro, no distrito de Bragança, criou um seguro de saúde que permite que os 6.500 habitantes do concelho acedam, sem qualquer custo, no privado, aos serviços que o SNS não está a conseguir salvaguardar.
A atual situação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) é “dramática” e não mostra sinais de melhoria.
O público não funciona como devia funcionar e, em todos os pontos do país – nuns sítios mais do que noutros -, as pessoas estão a “pagar caro” por isso.
A Câmara Municipal de Miranda do Douro chegou-se à frente com um seguro de saúde que encaminha os 6.500 habitantes do concelho, para os serviços de clínicas privadas, em Viseu e na Guarda, num investimento que rondou os 600.000 mil euros.
A cidade do planalto mirandês tem apenas um centro de saúde; e o hospital mais próximo fica em Bragança, a uma hora de carro.
O novo seguro, com duração de dois anos, oferece consultas, exames e ainda atendimento em medicina dentária – tudo gratuito. Além disso, a autarquia também disponibiliza transporte até às clínicas abrangidas pelo protocolo.
Exemplo a seguir ou precedente perigoso?
A iniciativa da autarquia de Miranda do Douro esteve em debate, esta terça-feira, no programa “A Virtude do Meio” da rádio Antena 1.
João Gobern enalteceu a forma como o seguro contraria os contratempos do SNS: “Parece-me que será um exemplo a seguir, ainda mais em áreas que são sistematicamente prejudicadas, onde é difícil aplicar as mecânicas das grandes cidades. É uma iniciativa para outros municípios olharem com mais atenção”, considerou o jornalista.
“Eu tenho, precisamente, a opinião contrária”, discordou Raquel Varela.
A historiadora acha inaceitável que se faça dinheiro “a prestar cuidados de saúde (…) com a doença alheia”.
Raquel Varela sustentou que o dinheiro público deve ser investido em bons serviços públicos e não em “cheques que os canibalizem”: “O cheque-saúde – que é o serviço público a comprar serviços ao privado – é uma ideia que parte do PS abraça e que toda a direita toda abraça… é a ideia de que todos os espaços da sociedade podem ser transformados em lucro”, considerou.
Por sua vez, João Gobern – que até se assumiu um defensor do serviço público – recusou pôr em causa as intenções da iniciativa: “Eu defendo que, mesmo que seja uma alternativa temporária e que nos faz pensar sobre a falência e os contratempos do SNS, poder levar as pessoas de Miranda do Douro a Viseu [e à Guarda] para consultas da especialidade gratuitas e para exames complementares de diagnóstico. Parece-me, sem dúvida nenhuma, uma boa iniciativa“.
“Do ponto de vista teórico, parece-me que a Raquel tem razão, mas acontece que no concelho de Miranda do Douro 40% da população tem mais de 65 anos (…) e, portanto, se ficarem à espera que as questões do SNS se resolvam, entretanto, as pessoas morrem“, lamentou.
“Numa fase em que não há evoluções entre o ministro cessante e os sindicatos médicos, eu prefiro que haja uma alternativa para as pessoas”, acrescentou Gobern.
Raquel Varela acabou por reconhecer que as pessoas não podem ser deixadas à sua sorte, mas insinuou que estava em marcha projeto para privatizar os serviços de saúde, através do dinheiro público: “a saúde privada é um negócio que quer ‘fagocitar’ o serviço público”, insistiu.
A historiadora teme que incentivos como este virem uma “política de estado”.