Uma nova descoberta, levada cabo por investigadores portugueses, vem ajudar a compreender o impacto das alergias severas no desenvolvimento do cérebro, após o nascimento.
Apesar de conhecida a relação entre alergias severas e perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA), desconhecia-se, até então, o que ligava as duas patologias.
A PHDA resulta em dificuldades de aprendizagem e comportamento impulsivo, afetando, sobretudo, crianças entre os 6 e os 12 anos de idade, podendo ter impactos até à idade adulta.
Um estudo publicado, esta quarta-feira, na Neuron, por investigadores da Universidade de Coimbra (UC), procurou, precisamente, estudar a interação da resposta alérgica no cerebelo – uma região que se desenvolve essencialmente no período pós-natal.
A equipa concluiu que há um intervalo muito importante no desenvolvimento do cerebelo no período após o nascimento, em que a resposta alérgica revelou perturbar o amadurecimento desta região do cérebro.
Os investigadores alertam para a necessidade de um desenvolvimento saudável do sistema imune, de forma a evitar impactos e alterações a este nível, no cérebro.
O cérebro tem de ser ‘podado’
Na fase após o nascimento, “em condições normais, o cerebelo em desenvolvimento necessita de ʽcrescerʼ, mas também de ser ʽpodadoʼ, dando-se a eliminação de neurónios excedentários por células chamadas microglia”, explica, João Peça, líder do Grupo de Investigação em Circuitos Neuronais e Comportamento do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra (CNC-UC).
“Num processo de resposta alérgica severa, a microglia não desempenha esta ʽpodaʼ de forma eficiente, o que resulta na sobrevivência dos neurónios em excesso, que perturbam o bom funcionamento do cerebelo”, acrescenta.
Utilizando modelos animais, a equipa de investigação conseguiu observar que quando não acontece a ʽpodaʼ, “decorrem alterações no funcionamento dos circuitos do cerebelo, hiperlocomoção e hiperatividade, características associadas à PHDA”, refere o docente do Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (DCV/FCTUC).
João Peça sublinha a importância de “perceber em maior detalhe por que motivo o cerebelo é particularmente afetado nestes processos, assim como a janela crítica do momento da ʽpodaʼ, uma vez que se o estímulo alérgico surgir numa fase mais tardia do desenvolvimento já não aparecem alterações neurocomportamentais”.