Algumas pessoas não conseguem ver imagens (e sonham por palavras)

Embora possa parecer natural imaginar um cenário enquanto se pensa num tema ou objeto, a verdade é que isto não é fácil para alguns de nós. Esta condição, chamada afantasia, pode explicar a dificuldade em visualizar imagens mentais.

Imagine uma maçã. É possível que esteja a visualizar na sua mente caixas cheias de maças coloridas expostas num supermercado. Ou um pomar repleto de macieiras, com algumas maças espalhadas pelo chão.

Para a maioria das pessoas, é relativamente fácil dar asas à imaginação e criar imagens mentais. Mas não é assim para todos nós.

Existe uma condição neurológica chamada afantasia, que explica a dificuldade de algumas pessoas em produzir imagens e imaginar cenários na sua mente.

De acordo com Joel Pearson, professor de neurociências cognitivas e diretor do Future Minds Lab da Universidade de New South Wales, na Austrália, “a afantasia pode ser descrita como um mecanismo ou uma estratégia diferente para lidar com as tarefas do quotidiano”.

Este mecanismo pode ser comparado com a resolução de um simples cálculo matemático – quase toda a gente é capaz de o resolver, mas possivelmente não usaremos todos o mesmo método.

Seja de que maneira for, o resultado será o mesmo e isso é que é importante. Por muito estranho que possa parecer, a afantasia não é uma doença e, portanto, não precisa de ser curada.

O que é a afantasia?

O termo phantasia foi utilizado pela primeira vez pelo filósofo grego Aristóteles para descrever o olho da mente e significa apenas imaginação.

Quase 2.000 anos depois, Adam Zeman, professor de neurologia cognitiva e comportamental da Universidade de Exeter, no Reino Unido, lançou o termo afantasia, em 2015, para descrever uma condição neurológica reconhecida.

Foi em 2003 que Zeman encontrou, pela primeira vez, um paciente sem capacidade de visualizar. Foi então que começou a estudar este estranho caso.

De facto, quando visualizamos algo na nossa mente, há uma região específica do cérebro que se ilumina. Ora, no caso deste paciente, não havia simplesmente qualquer sinal.

Inicialmente o investigador descreveu esta condição como “imaginação cega” e rapidamente foi contactado por muitas outras pessoas que lhe disseram não ser capazes de visualizar cenários na sua mente.

E este foi o ponto de partida para um estudo mais aprofundado, que procurou explicar esta condição neurológica intrigante.

Quantas pessoas têm afantasia?

Estima-se que cerca de 3 a 4 por cento da população tem afantasia, embora muitas vezes as pessoas nem se apercebam desta dificuldade. Por isso, o número real de pessoas com afantasia pode ser muito maior.

Ian James, engenheiro hídrico, só se apercebeu que sofria de afantasia por volta dos 50 anos. Até então, não se apercebeu que a sua mente funcionava de uma forma diferente das pessoas em seu redor. Embora James saiba o que é uma maça, este não consegue visualizá-la na sua mente.

“No outro dia estava a ver um programa de TV, e perguntaram qual era a cor de um logotipo de uma marca conhecida de um molho picante. Eu poderia responder à pergunta, porque conheço a marca”, explica James.

. No entanto, a minha esposa disse-me que automaticamente imaginou o supermercado, viu as prateleiras com o molho e obteve a resposta correta. Ora eu, simplesmente, não consigo imaginar isso”, acrescenta.

Os investigadores descobriram que, de uma forma geral, as pessoas com afantasia podem trabalhar em áreas como a matemática ou engenharia, tal como James. Há também muitos criativos com esta doença, como Ed Catmull, cofundador da Pixar e ex-presidente da Walt Disney Animation Studios.

“A afantasia nunca afetou o meu trabalho, mas, muito antes de saber que tinha esta condição, perguntava-me como é que as pessoas pensavam sem palavras. E intrigava-me com o facto de crianças pequenas conseguirem formar pensamentos antes de aprender a falar. Agora já entendo porquê”, explica James.

As pessoas com afantasia podem sonhar?

Mesmo dentro da afantasia diagnosticada existem grandes diferenças, e uma delas está na capacidade de sonhar.

Muitas pessoas com afantasia sonham apenas com palavras, mas outras são capazes de sonhar experiências vívidas, com imagens da vida real. Isto acontece porque o sonho utiliza uma parte diferente do cérebro, que pode não ser afetada pela afantasia.

Pessoas com afantasia acham difícil recordar momentos da sua infância ou das suas férias, precisamente por terem dificuldade em acessar memórias visuais.

Por vezes são também menos sensíveis a cenários externos assustadores, como filmes de terror. Isto acontece porque estas imagens assustadoras não voltaram a aparecer na sua mente.

Para perceber se sofre de afantasia poderá fazer o simples exercício de imaginar uma maçã. Como é que a imagina? Com palavras ou imagens?

O “Vividness of Visual Imagery Questionary”, criado em 1973 pelo psicólogo britânico David Marks, é um bom teste inicial para perceber se têm afantasia.

Apesar do aumento da consciencialização sobre esta condição, não existem muitos estudos sobre a afantasia e é necessário uma maior investigação para a poder caracterizar corretamente.

Patrícia Carvalho, ZAP //

Siga o ZAP no Whatsapp

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.