As receitas são de autoria da gastrónoma Maria de Lourdes Modesto, sendo o prefácio da investigadora Beatriz Berrini, que salienta o facto de a gastronomia desempenhar um papel essencial nos livros do romancista, autor, entre outros, de “Os Maias” e de “O Mandarim”.
Em “Comer e beber com Eça de Queiroz” podem encontrar-se receitas como a “Galinha afogada em arroz” ou o famoso “Arroz de favas”, esta recolhida junto da neta do caseiro que recebeu Eça de Queiroz na sua primeira visita à Quinta de Vila Nova. Este é um dos pratos celebrados pela personagem Jacinto, em “A cidade e as serras”, quando chega à quinta de Tornes, no Douro.
“As receitas primorosas de Maria de Lourdes Modesto são representativas de uma das feições do mundo queirosiano. Folheando a obra, começará o leitor, a pouco e pouco, pela imaginação e com os olhos, a degustar os pratos e as bebidas mencionadas”, afirma Berrini, no prefácio da obra, editada pela Alêtheia.
No total, são apresentadas 50 receitas, entre sopas, peixe, carne, aves, ovos e sobremesas, da Sopa seca de pão com presunto e legumes, aos Folhados do Cocó, passando pelo Bacalhau com pimentos e grão-de-bico, “Jambon aux épinards”, Coelho guisado à moda da Porcalhota e o Arroz de forno.
A abundância e a escassez
A investigadora salienta algumas funções peculiares que os alimentos e as bebidas têm na ficção queirosiana, nomeadamente, como “recurso para socialmente reunir algumas personagens e fazer evoluir a trama, para, através dos debates suscitados, expor a sua posição em face da realidade, em particular a portuguesa”.
A gastronomia serve ainda para caracterizar uma determinada classe social – refira-se, como exemplo, o jantar dos Gouvarinho em “Os Maias”.
Defende ainda Berrini, que, ao longo de toda a obra de Eça, está patente a oposição entre pobreza e riqueza, “ou, se preferir, a abundância e a escassez de alimentos”.
Berrini cita, a este propósito, um episódio em “O crime do padre Amaro”, “quando o pobre se aproxima da mesa clerical em Cortegaça” e, enquanto “os padres se banqueteiam, comendo todos como abades“, “a empregada Gertrudes, quase às escondidas, mete uma broa no alforge de um miserável pedinte”.
Em “O primo Basílio”, uma das personagens, a criada Juliana, “reclama dos maus alimentos reservados à criadagem e só alcança melhorar a sua refeição à custa de agrados com que favorece a cozinheira”.
Salienta a autora desta coletânea de receitas que, em “Os Maias”, numa descrição do Palácio da vila de Sintra, surge “o símbolo que melhor expressa a oposição escassez/abundância”.
“No alto, duas chaminés colossais, disformes, resumindo tudo, como se essa residência fosse toda ela uma cozinha talhada às proporções de uma gula de rei que cada dia come todo um reino“, escreve Eça em “Os Maias”.
Beatriz Berrini diz, no livro, que os textos de Eça falam da autêntica tradição portuguesa, como expõem o exotismo de algumas cozinhas estrangeiras, especialmente a francesa, mas também das orientais, ao mesmo tempo que “parecem indicar o indiscutível apreço pela simplicidade e pelo genuíno”.
Em prol da gastronomia portuguesa, a investigadora afirma que “as figuras mais aristocráticas e requintadas, as mais sedutoras e simpáticas da ficção queirosiana são, sem dúvida, Carlos da Maia, Fradique Mendes, Gonçalo Mendes Ramires e Jacinto”, que são também aquelas que “demonstram as suas preferências pelas tradições mais genuínas de Portugal”.
/Lusa