Marcelo defendido por Costa, contrariado por Ornelas e solitário em Belém

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António Pedro Santos / Lusa

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ladeado pelo primeiro-ministro, António Costa.

O primeiro-ministro saiu em defesa do Presidente da República. Partidos criticaram, Marcelo pediu desculpa.

António Costa defendeu esta quarta-feira Marcelo Rebelo de Sousa, que tem estado debaixo de fogo depois das declarações sobre os casos de abusos sexuais na Igreja, que estão a ser investigados por uma comissão.

“Quero expressar a minha total solidariedade com o Presidente da República, mais concretamente com o professor Marcelo Rebelo de Sousa, pela interpretação inaceitável que tem sido feita das suas palavras“, afirmou António Costa aos jornalistas em Viseu, segundo avança o Público.

“Todos conhecemos” o Presidente da República, e “todos sabemos bem que, para o professor Marcelo Rebelo de Sousa, um caso que fosse, só um caso de abuso sexual sobre crianças, seria algo absolutamente intolerável, como é para o conjunto da sociedade”, acrescentou ainda o chefe do executivo.

Costa insistiu que o problema foi uma interpretação “muito errada” das palavras proferidas por Marcelo, e lembrou que, “se há alguém que é intimamente conhecido hoje de todos portugueses, depois de anos de exposição pública como comentador e como Presidente da República, é o professor Marcelo Rebelo de Sousa. Eu pessoalmente conheço-o desde que fui seu aluno na faculdade”.

O líder do Governo sublinhou ainda que “a violação dos direitos das crianças não tem a ver com a quantidade” e que, “seguramente, o Presidente da República não o quis desvalorizar”, acrescentando que a nota publicada pela Presidência na terça-feira explica a “surpresa” de não terem surgido mais casos revelados.

Embora Costa note que “todos nós na vida política às vezes não utilizamos a melhor expressão, às vezes não nos interpretam da melhor forma”, o primeiro-ministro considera que “quem feito esta interpretação é que deve um pedido de desculpas ao Presidente da República”. A interpretação, segundo Costa, “não corresponde ao sentir, à forma de ser do Presidente da República”.

A polémica declaração foi feita ao início da tarde de ontem e marca, sem sombra de dúvidas, um dos episódios mais contestados dos mandatos de Marcelo.

Aos jornalistas, o Presidente da República afirmou que “haver 400 casos [de abusos sexuais no seio da Igreja Católica] não parece que seja particularmente elevado”.

As palavras rapidamente foram mal recebidas na opinião pública, mas também por partidos e atores políticos, que repudiaram a declaração.

Bispo e partidos

Contrariando as palavras sobre os “poucos” 400 casos de abusos, José Ornelas voltou a falar sobre o assunto nesta quarta-feira.

O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa disse que “qualquer número é demasiado” e que “esta é a hora da Justiça”.

Mas assegurou que a Igreja Católica portuguesa nunca encobriu qualquer caso e que a instituição “não se conforma” com este assunto.

Nas reuniões que teve com os partidos, igualmente nesta quarta-feira, o assunto surgiu nas conversas – em parte trazido pelo próprio presidente.

O PSD não comentou directamente o assunto; o Chega aceitou as justificações nessa conversa mas “censura” as declarações e apela a um “pedido de desculpas”; a IL acha que as palavras foram “lamentáveis” e as justificações públicas são “insuficientes”.

O Bloco de Esquerda considerou que Marcelo desvalorizou as vítimas; o PCP afastou-se porque “não costuma dar orientações ao presidente da República”; o PAN “lamentou profundamente” esta situação” e o Livre sublinhou que é preciso “muito cuidado” nestes assuntos.

Pedido de desculpas

No dia seguinte, Marcelo Rebelo de Sousa seguiu mesmo a sugestão de alguns políticos e críticos, e pediu desculpa publicamente.

“Se porventura uma vítima que seja está ofendida, peço desculpa por isso, porque não era esse o meu objectivo. Eu queria mostrar exactamente o contrário: temer que muitas vítimas, por medo, não tivessem falado e o número que deveria ser ainda mais alto pudesse ficar onde ficou”, disse o presidente, após uma conferência.

O solitário

Entretanto, estas palavras polémicas (muito provavelmente as menos felizes desde que é presidente da República), reforçaram a ideia: Marcelo Rebelo de Sousa é um “solitário” em Belém, escreve o jornal Público. Sobretudo no seu segundo mandato, que se iniciou no ano passado.

O politólogo António Costa Pinto resume: “O católico Marcelo foi apanhado numa situação difícil. Enviou os casos para a justiça mas teve um lapsus linguae de absolvição relativa da Igreja Católica Portuguesa. Não estávamos habituados a isso em Marcelo. É a primeira vez que tem um lapsus linguae deste tipo”.

Esta solidão não está relacionada apenas com este afastamento e com estas críticas que se multiplicaram.

O próprio Marcelo admitiu, num podcast com Francisco Pinto Balsemão: “Eu era e sou um solitário. E a minha vida em Belém é cada vez mais assim, até para me defender”.

Mas aqui não será apenas uma questão de defesa. É uma questão de realidade: o presidente da República não tem assessores, não tem consultores. Está sozinho e a pensar sozinho. Fala sem aconselhamento prévio.

E fala muitas vezes. Sobre muitos assuntos, por vezes em poucos segundos. Pode estar a deixar a sua postura sobre um assunto mas, naquele instante, está a pensar noutro.

Uma sequência acelerada. E solitária.

(artigo actualizado às 12h do dia 13/10)

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7 Comments

  1. Conjugando a conversa entre o Professor e o Clérigo, que já por si é controverso, e esta benevolência em minimizar os aspectos pedófilos dentro da igreja portuguesa, e sabendo haver um rede enorme de pedófilos por todo lado e especialmente em sítios escondidos como as baratas, sacrificando de vez em quando um inocente como o Carlos Cruz, para despistar os verdadeiros doentes e criminosos, que tal como os narcotraficantes parecem impunes à justiça, faz me pensar qual o papel verdadeiro deste chefe de estado e agora também do primeiro ministro nisto tudo. Não concordo com António Costa que poe por ele a mão no fogo . . .
    Será que ainda têm medo da inquisição ou têm as costas quente?

  2. Marcelo fala pelos cotovelos e como se estivesse à mesa do café. Acontece que é Presidente da República e deveria ter tento na língua. Depois mete-se nestas embrulhadas sem necessidade nenhuma. Por outro lado, deveria refrear o seu catolicismo militante e PSD-ismo. Ontem ouvi alguém dizer que ele anseia dissolver o Parlamento (como aludiu no seu discurso do 5 de Outubro), para dar ao PSD uma chance de voltar ao governo enquanto ele for PR. Entretanto, o projecto-lei da eutanásia continua de molho sem solução à vista. É evidente que, como bom católico que é, não terá rebuço nenhum em chumbá-lo pela terceira vez.

  3. Para o António Costa, a grande maioria dos portugueses fez uma interpretação errada das palavras do presidente. Num golpe de cintura que até surpreendeu Marcelo, Costa saiu em sua defesa, disparando em todos os sentidos. talvez com uma carta escondida na manga, como é seu costume.
    Teria sido tudo diferente, se Marcelo chamasse os bois pelos nomes e dissesse claramente o que queria dizer. Marcelo errou, pretendeu dar insignificância ao assunto e levou com a insatisfação dos portugueses.

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