Entre viver de empréstimos, subornos a políticos ou investimentos em equipas desportivas, há várias tácticas usadas pelos mais ricos para a fuga ao tio Sam.
Benjamin Franklin dizia que só há duas certezas na vida, a morte e os impostos. Mas a realidade não é bem assim. Se ainda não foi descoberta a chave da vida eterna e o destino da morte (ainda) é incontornável, a fuga aos impostos é bem mais fácil. E para parafrasear George Orwell, os contribuintes são todos iguais, mas há alguns que são mais iguais que outros.
Já há vários meses que os bilionários e as suas tácticas para a fuga aos impostos estão na mira da ProPublica — tanto que o órgão norte-americano já tomou nota de quais são as estratégicas mais comuns que os mais ricos usam para a evasão fiscal.
Um dos métodos mais usados surge como consequência de uma lacuna na lei norte-americana. A legislação dos Estados Unidos não prevê o pagamento de impostos sobre acções, mesmo que estas pertençam a enormes empresas e valham milhões.
No entanto, a lei já taxa a 20% o dinheiro ganho com a venda destas acções, o que leva a que muitos bilionários, como Elon Musk, Warren Buffett e Jeff Bezos evitem vender as suas quotas em empresas valiosas com a Tesla, a Berkshire Hathaway ou a Amazon, respectivamente.
Os salários milionários que estes executivos poderiam ganhar também são alvos de imposto de 37%, pelo que muitos optam antes por receber salários baixos e que são isentos de pagamento de IRS.
Então, afinal, se não vendem as acções e não têm salários altos, como é que os bilionários pagam pelo seu estilo de vida luxuoso e opulente? A estratégia é simples — viver de enormes empréstimos onde as acções são as garantias do pagamento.
Se para o comum dos mortais a contração um empréstimo costuma ser algo feito por necessidade, para aqueles que estão no topo da pirâmide esta é uma forma de escapar aos impostos e ter acesso a milhões sem terem de declarar rendimentos altos, já que as autoridades não tributam os empréstimos sob o pressuposto de que o dinheiro será devolvido, não podendo ser taxado como um rendimento normal.
A lei não é favorável? Compra-se uma nova
Há outros bilionários que preferem outra estratégia, já que mesmo quando declaram os rendimentos, tendem a pagar impostos mais baixos. Isto acontece por causa do tipo de rendimentos que têm, visto que os ganhos acumulados de investimentos a longo prazo, como as vendas de acções, são tributados com uma taxa mais baixa.
E o que fazem os bilionários cuja a maioria dos ganhos são a curto prazo e têm de pagar uma taxa mais alta? Mesmo nestes casos, há formas de contornar os pagamentos, sendo Jeff Yass, um dos executivos mais ricos de Wall Street, um exemplo disso.
A empresa de Yass, Susquehanna International Group, já usou várias estratégias criativas para conseguir declarar rendimentos ganhos a curto prazo como se estes fossem a longo prazo. O empresário já foi alvo de auditorias das Finanças várias vezes e até já foi a tribunal contra o Governo para defender as suas estratégias, alegando que se enquadram com a lei.
Graças a isto, nos últimos seis anos Yass já conseguiu poupar mais de mil milhões de dólares em impostos e tem pago uma taxa média de IRS de apenas 19%, muito abaixo dos 40% que geralmente são pagos por quem faz fortunas com o mercado da bolsa e as vendas de acções.
E esta não é a única táctica usada por Yass. O que fazer quando se têm uma quantidade de dinheiro de fazer inveja ao tio Patinhas e as leis não são favoráveis à manutenção dessa fortuna? Ora, paga-se para que estas sejam mudadas.
Se em países com leis mais apertadas dar dinheiro a políticos em troca de favores seria vista como um suborno e seria alvo de uma investigação por corrupção, nos Estados Unidos esta práctica é legal — e os mais ricos aproveitam-se disso quando as eleições começam a bater à porta, fazendo doações para as campanhas políticas e exigindo influência política em troca. E esta pressão sobre os candidatos tende a funcionar, já que 91% das vezes as campanhas com mais dinheiro saem vencedoras.
Dos mil milhões de dólares que supostamente iriam para o fisco mas não saíram do bolso de Yass, 100 milhões acabaram por ser gastos em doações para as campanhas de candidatos que defendem cortes nos impostos e outras posições polémicas, como a proibição ao aborto ou a alegação infundada de que houve fraude eleitoral nas presidenciais de 2020.
Yass está longe de ser o único bilionário a ver a política como um investimento, já que muitos viram o valor das contribuições para campanhas de ambos os partidos, especialmente para os Republicanos.
No caso da reforma fiscal “grande e linda” de Donald Trump — nas palavras do próprio — 82 multimilionários meteram ao bolso mais de mil milhões de dólares que antes da nova lei, seriam pagos em impostos. De acordo com as contas do Centro de Políticas de Impostos, os moldes do Tax Cuts and Jobs Act de Trump levariam a que em 2027 53% dos norte-americanos pagassem mais impostos do que pagavam antes e que 83% dos benefícios fossem para o 1% do topo.
O “amor” ao desporto
O bilionário Peter Thiel, um dos co-fundadores do Paypal e um dos homens mais ricos do mundo da tecnologia, tem outra estratégia. Thiel acumulou uma fortuna de cinco mil milhões numa conta Roth IRA, que se destina às poupanças para a reforma e cujo conteúdo não é taxado.
Na teoria, estas contas foram criadas com a intenção de ajudar a classe média e média-baixa a terem uma almofada para a reforma, mas na práctica também são usadas pelos mais ricos como forma de fugirem ao tio Sam.
Em 1999, Thiel depositou acções de baixo valor da empresa que viria a ser o Paypal na sua conta Roth IRA, uma decisão que alguns advogados consideram que pisa a linha das leis financeiras americanas. Desta forma, o bilionário vai colher milhares de milhões de dólares em ganhos sem ter pago um único cêntimo às Finanças.
Quem olhar para a quantidade de bilionários que comprar equipas desportivas até pode achar que há algum gene em comum entre os mais ricos e a paixão pelo desporto — mas a razão para esta correlação também é financeira.
Um exemplo notório é o ex-CEO da Microsoft, Steve Balmer, que investiu nos Los Angeles Clippers. É indiferente se a equipa dá lucro ou está a crescer, já que pode sempre ser usada como uma forma de se obter um corte nos impostos.
Há casos onde os donos podem deduzir os contratos dos atletas duas vezes, podendo assim ganhar dinheiro enquanto declaram perdas — tudo de forma legal. Um funcionário da arena dos Clippers que ganha 45 mil dólares por ano paga até uma taxa de impostos mais alta do que o bilionário Balmer.
Em certos sectores, como o imobiliário ou o petróleo, os cortes de impostos são tão abundantes que os bilionários podem “apagar” totalmente os seus rendimentos nas declarações enquanto na práctica se tornam mais ricos.
Foi desta forma que o empresário do imobiliário Stephen Ross — que por coincidência também é dono dos Miami Dolphins — passou 10 anos sem pagar IRS, algo que diz ter sido totalmente legal. No ramo energético, a magnata Phyllis Taylor conseguiu até uma lista quase infindável de deduções graças a um dos maiores derrames de petróleo de sempre.
Até os passatempos ajudam
Os mais ricos também usam os seus passatempos como forma de fugir aos impostos, podendo estruturá-los como negócios. Nas corridas de cavalo, por exemplo, seis donos de puros-sangue no Kentucky Derby de 2021 amealharam 600 milhões de dólares em cortes de impostos desde que começaram a investir no ramo. Os hotéis de luxo são outro caso, tendo o multimilionário Ty Warner passado 12 anos sem pagar IRS devido aos seus investimentos nestes negócios.
Outra táctica depende do sector onde se faz a fortuna. Neste plano, os bilionários da tecnologia saem a ganhar, assim como os executivos de capital privado e os herdeiros de fortunas.
Por falar em herdeiros, os filhos dos mais ricos são também um dos grupos que mais beneficia devido aos buracos na lei do imposto sobre as heranças, que permitem que não se pague a taxa nos depósitos feitos em certos fundos. Pelo menos 100 dos indivíduos mais ricos dos Estados Unidos já usaram estes esquemas.
Dentro do grupo de bilionários que conseguiu reportar rendimentos muito abaixo daquilo que o estilo de vida deles indica, há um subgrupo ainda mais surpreendente — alguns destes magnatas declararam vencimentos tão pequenos que até se qualificaram para apoios governamentais.
Pelo menos 18 bilionários declararam rendimentos tão baixos que se qualificaram para receber cheques de estímulo dados pelo Estado no âmbito da pandemia.
“ os moldes do Tax Cuts and Jobs Act de Trump levariam a que em 2027 53% dos norte-americanos pagassem mais impostos do que pagavam antes e que 83% dos benefícios fossem para o 1% do topo.”
Pagaram mais impostos porque os salários aumentaram. O contexto correcto dá um outro ar à notícia e à sua intenção.