Cientistas identificaram o “Dia Zero” da mítica Máquina de Anticítera

A misteriosa “Máquina de Anticítera” — um dispositivo antigo que se crê ter sido utilizado para observar os céus — fascinou tanto os cientistas como o público, desde que foi recuperado de um naufrágio, há mais de um século.

Foram feitos grandes progressos nos últimos anos para reconstruir os fragmentos do mecanismo e aprender mais sobre como pode ter sido utilizado.

Agora, uma equipa de investigadores gregos acredita ter descoberto a data de início da Máquina de Anticítera, de acordo com um estudo pré-publicado a 28 de março na arXiv.

Determinar o “dia zero” do dispositivo é fundamental para garantir a sua precisão.

“Qualquer sistema de medição, desde um termómetro até à Máquina de Anticítera, necessita de uma calibração para [realizar] os seus cálculos corretamente”, realça o co-autor Aristeidis Voulgaris, segundo a Ars Technica.

“Claro que não foi perfeito — não é um computador digital, são engrenagens — mas terá sido muito bom a prever eclipses solares e lunares“, acrescenta.

A Máquina de Anticítera é o computador analógico e planetário mais antigo que se conhece, criado no século I a.C., na Grécia romana, e era usado para prever posições astronómicas e eclipses, como função de calendário e astrologia.

O mecanismo original está exposto na coleção de bronze do Museu Arqueológico Nacional de Atenas, na Grécia.

O artefacto foi redescoberto num navio naufragado, em 1901, na costa da ilha grega de Anticítera, por uma equipa de mergulhadores.

Desde então, gerações de investigadores maravilharam-se com a sua complexidade impressionante e funcionamento caricato.

Em 1951, o historiador científico britânico Derek J. de Solla Price começou a investigar o funcionamento do dispositivo.

Com base em fotografias de raios X e raios gama dos fragmentos, Price e o físico Charalambos Karakalos publicaram um artigo de 70 páginas, em 1959, na Transactions of the American Philosophical Society.

Com base nessas imagens, os especialistas colocaram a hipótese de que o mecanismo pudesse ter sido utilizado para calcular os movimentos das estrelas e dos planetas — transformando-o no primeiro computador analógico conhecido.

Em 2002, Michael Wright, então curador de engenharia mecânica no Museu da Ciência em Londres, chegou às capas dos jornais com novas imagens de raios X mais detalhadas do dispositivo, tiradas através de tomografia linear.

A análise mais detalhada de Wright revelou uma engrenagem central fixa na roda principal do mecanismo, em torno da qual outras engrenagens móveis podiam rodar.

Concluiu que o dispositivo foi especificamente concebido para modelar o movimento “epicicloidal”, de acordo com a antiga noção grega de que os corpos celestes se moviam em padrões circulares, chamados epiciciclos.

Esta era uma altura “pré-Copérnico”, pelo que o ponto fixo em torno do qual se moviam era considerado como sendo a Terra.

No ano passado, uma equipa do University College London (UCL), liderada pelo engenheiro mecânico Tony Freeth, também ficou conhecida pelo seu modelo computacional, com uma deslumbrante exibição do antigo cosmos grego.

A equipa está atualmente a construir um mecanismo de réplicas e engrenagens móveis, com a ajuda de tecnologias mais modernas.

A exibição é descrita nas inscrições na contracapa do mecanismo, apresentando planetas que se movem em anéis concêntricos, com contas marcadoras como indicadores. Os raios X da tampa frontal representam com precisão os ciclos de Vénus e Saturno-462 e 442 anos.

 

Tony Freeth

Ilustração de como a Máquina de Anticítera poderia ter funcionado.

 

A investigação da equipa baseou-se no trabalho de Wright como parte do Projeto de Investigação da Máquina de Anticítera, através de imagens de raios X 3D, com a ajuda de X-Tek Systems no Reino Unido e Hewlett-Packard, entre outros.

As novas imagens revelaram muito mais da transcrição original grega, que foi posteriormente traduzida.

A tomografia de raios X de alta resolução confirmou ser um computador astronómico, utilizado para prever as posições dos corpos celestiais.

É provável que a Máquina de Anticítera tivesse, antigamente, 37 engrenagens, das quais 30 sobreviveram. A sua face frontal tinha graduações que mostravam o ciclo solar e o zodíaco, juntamente com setas que indicavam as posições do Sol e da Lua.

A Máquina de Anticítera foi provavelmente construída algures entre 200 a.C. e 60 a.C. No entanto, em fevereiro de 2022, Freeth sugeriu que o famoso matemático e inventor grego Arquimedes pode ter concebido o mecanismo, mesmo que não o tenha construído pessoalmente.

Há referências nos escritos de Cícero (106-43 a.C.) sobre um dispositivo construído por Arquimedes para seguir o movimento do Sol, da Lua, e de cinco planetas — estava na posse do general romano Marcus Claudius Marcellus.

Segundo Freeth, essa descrição é bastante semelhante à Máquina de Anticítera, sugerindo que não se tratava de um dispositivo único.

Voulgaris e os co-autores basearam a sua nova análise num ciclo de 223 meses chamado Saros, representado por uma espiral, na parte de trás do dispositivo.

O ciclo cobre o tempo necessário para o Sol, a Lua e a Terra regressarem às suas posições, e inclui eclipses solares e lunares associados.

Com o conhecimento atual sobre o funcionamento do dispositivo e as inscrições, a equipa acredita que a data de início coincidiria com um eclipse solar anular.

Num evento como esse, o Sol e a Lua estão precisamente alinhados com a Terra, de tal forma que a Lua aparece mais pequena e apenas cobre o centro do Sol, deixando as extremidades exteriores visíveis do Sol, para formar um “anel de fogo”.

Um eclipse anular em que a Lua se encontre no ponto mais afastado da Terra na sua órbita — o apogeu — teria sido de duração particularmente longa.

Os investigadores procuraram na base de dados da NASA todos os exemplos desses eventos, que se enquadravam no período de tempo em que a Máquina de Anticítera possa ter sido construída.

Apenas a série Saros 58 incluía longos eclipses anulares. O mais longo ocorreu a 23 de dezembro, 178 a.C.

“Normalmente, para efetuar cálculos de tempo, é mais comum selecionar uma data do passado recente do que uma do futuro, especialmente durante os tempos antigos, quando os cálculos de tempo e as previsões para um grande período de tempo eram mais incertos e duvidosos do que hoje”, escreveram os autores.

“Este facto pode também ser a razão mais provável para a construção da Máquina de Anticítera naquela época”, acrescentam.

 

A. Voulgaris / arXiv

Duas posições distintas do pino dentro da ranhura e um grande plano da área

Os investigadores explicam que vários outros eventos astronómicos bastante significativos também ocorram por volta da mesma altura.

Um deles é o solstício anual de Inverno, gravado na parte superior esquerda da frente do mecanismo, o que dá a entender que foi utilizado para a calibração.

Outro é a festa religiosa Isia, marcando o assassinato de Osíris e ligada a eclipses lunares e solares. Teria havido um eclipse solar visível ao nascer do sol, a 22 de dezembro 178 a.C..

Esta é uma data muito específica e única“, sublinha Voulgaris. “Num dia, ocorreram demasiados acontecimentos astronómicos para que fosse coincidência”.

“Nesta altura estava uma lua nova, com a Lua no apogeu, um eclipse solar, o Sol entrou na constelação Capricórnio, e houve o solstício de Inverno”, insiste.

Mas outros cientistas fizeram cálculos independentes e chegaram a uma conclusão diferente: a data de calibração seria algures no verão de 204 a.C., embora Voulgaris tenha contrariado que isto não explica porque é que o solstício de Inverno está gravado de forma tão proeminente no dispositivo.

“As previsões do eclipse na parte de trás [do dispositivo] contêm informação astronómica suficiente para demonstrar que a série de 18 anos de previsões do eclipse lunar e solar começou em 204 a.C.”, salientou Alexander Jones, da Universidade de Nova Iorque.

“A razão de tal datação ser possível é o facto de o período Saros não ser uma equação altamente precisa das periodicidades lunares e solares, por isso cada vez que se avança 223 meses lunares… a qualidade da previsão degrada-se“, conclui.

Alice Carqueja, ZAP //

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