Governador do Banco de Portugal reforça que a prioridade do Governo terá de ser a dívida. E o BCE não se vai embora.
Mário Centeno não tem dúvidas: a prioridade do próximo Governo em termos orçamentais é a dívida: “E não pode deixar de ser. Já era assim no passado recente, tornou-se mais enfaticamente essa a prioridade com a resposta que teve de ser dada. E a minha avaliação é a de que essa resposta foi bastante positiva durante a pandemia”.
Em entrevista ao jornal Observador, o Governador do Banco de Portugal defendeu que o Banco Central Europeu (BCE) tem tentado colocar a política monetária “numa posição mais neutra, menos acomodatícia”.
No entanto, admite que algumas medidas do BCE, num passado recente, tiveram “algumas consequências… pelo menos, não desejadas. Não sei se inesperadas mas, pelo menos, não desejadas. E isso aconteceu em momentos muito fulcrais para a história recente”, referindo-se aos anos 2008 e 2011, na sequência da crise financeira global iniciada no primeiro desses anos.
Vão ser feitos reinvestimentos “com a flexibilidade suficiente para permitir que compras que originalmente tinham sido feitas numas jurisdições possam ser dirigidas a outras jurisdições se o mercado der sinais de que há essa necessidade”. Serão montantes “muito significativos” porque englobam “toda a maturidade de dívida que vai chegar ao vencimento”. Ou seja, o BCE “não vai embora. É uma boa conclusão”, resumiu.
As taxas de juro deverão aumentar ainda neste ano. Mas Centeno destacou outro facto: “Nós temos, pela primeira vez nas últimas duas ou três décadas, níveis de dívida privada em Portugal que estão ao nível da área do euro. Isto foi conseguido através de uma redução de quase 80 pontos percentuais de PIB do peso da dívida privada, face ao PIB”.
Os apoios dados pelo Governo durante a COVID-19 impediram uma subida drástica da taxa de desemprego. Mas, agora em tempos de guerra, esse tipo de medidas dificilmente será “sequer semelhante”, avisou o antigo Ministro das Finanças, sublinhando no entanto que estes impactos deverão ser temporários.
Apesar de Rússia e Ucrânia não serem países muito importantes na economia portuguesa, esses dois mercados afectam outros países que, esses sim, têm ligações próximas com Portugal. Por isso, o aviso: “Se nesses outros países o cenário adverso, severo, do BCE se verificar, ele terá uma tradução muito direta, imediata também no nosso cenário e é aí que nos começamos a aproximar de cenários com taxas de crescimento em cadeia mais baixas”.
Em relação ao novobanco, que deverá avançar com um novo pedido de capital ao Fundo de Resolução (no ano seguinte a ter conseguido lucros de quase 200 milhões de euros), Mário Centeno confessa que, se isso acontecer, será uma surpresa.
“O novobanco, na minha interpretação, teve a possibilidade de tomar medidas, ao longo do ano de 2021, para ter os instrumentos suficientes para que não existisse uma chamada de capital. A nossa expectativa é de que não vai haver nenhuma injeção de capital este ano. O novobanco está capaz de sair do período de reestruturação no final de 2021”, analisou Centeno.
“Mas isto tudo é traumático. Temos de entender que Portugal começou tarde a solucionar os problemas do seu sistema financeiro. Abordámos a resolução do Novo Banco seis anos depois da crise financeira. É traumático pela sua dimensão. Porque não se trata apenas do novobanco e do BES, trata-se de outros episódios, como o Banif, ou as diferentes dificuldades que o sistema bancário foi tendo e que teve de enfrentar”, descreveu o Governador do Banco de Portugal.
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