Dois estudos na Suíça e em França apontam para Paul Furber e Ron Watkins como os prováveis autores de mensagens que iniciaram o movimento QAnon.
Segundo a Silicon Republic, os autores da teoria da conspiração QAnon, que desempenhou um papel importante nos ataques de janeiro de 2021 no Capitólio dos Estados Unidos, há muito que estão envoltos em mistério.
Pela primeira vez, dois estudos distintos afirmam agora ter utilizado a tecnologia para identificar quem está realmente por detrás da QAnon.
Um estudo realizado pela startup suíça OrphAnalytics identificou Paul Furber e Ron Watkins como os dois indivíduos que é mais provável que sejam os autores das primeiras mensagens QAnon, que apareceram em finais de 2017 no antigo 4chan, fórum banido por divulgar mensagens de ódio.
Entretanto, um estudo francês realizado por investigadores da École Nationale des Chartes em Paris também encontrou os mesmos dois indivíduos e apontou-os como responsáveis pela teoria da conspiração viral.
Ambos os estudos foram conduzidos por equipas de linguistas forenses, que utilizaram a tecnologia computacional para analisar os estilos de escrita de uma lista de potenciais autores, realizada por jornalistas de investigação.
Através de exemplos retirados de textos anteriores, compararam o estilo de escrita com mensagens QAnon em 4chan e, mais tarde, em 8chan.
O QAnon é um movimento que junta várias teorias da conspiração e que surgiu nos Estados Unidos em 2017.
O movimento nasceu na extrema-direita norte-americana em fóruns na internet, onde um anónimo, que se identificava como “Q”, publicava informações falsas afirmando ter informações secretas de agências de segurança sobre a elite corrupta que lidera os EUA, formada por pedófilos satanistas que sequestram e sacrificam crianças.
Em outubro de 2020, conspiracionistas portugueses inspirados nas teorias QAnon apresentaram uma denúncia à Procuradoria-Geral da República, na qual sugerem que Portugal e Espanha são governados por uma elite pedófila que se dedica ao tráfico sexual de menores.
O grupo tem enfrentado proibições em grandes plataformas de comunicação social, tais como Facebook e Twitter.
“O QAnon vai alimentar os estudos sociais durante muito tempo, e talvez mesmo a história, como um dos movimentos mais singulares e preocupantes do nosso tempo. A identificação dos seus autores e das suas motivações é de grande importância para orientar futuros debates”, afirmou Lionel Pousaz, co-fundador da OrphAnalytics.
Quem são?
Os dois homens identificados, Furber e Watkins, são ambos figuras conhecidas de direita, envolvidas no mundo da tecnologia.
Furber, descrito pelo The New York Times como o “primeiro apóstolo” do movimento QAnon, é um criador de software e jornalista sul-africano.
Watkins é um administrador do website americano que concorre ao Congresso no estado americano do Arizona.
Os dois estudos afirmam que as mensagens publicadas no 4chan entre outubro e dezembro de 2017 sob o nome de Q são muito provavelmente o resultado de uma colaboração entre Furber e Watkins, com Furber a desempenhar o papel principal. Ambos os homens negaram as alegações.
A OrphAnalytics realça que quando o QAnon se mudou para o novo fórum 8chan, propriedade do pai de Watkins Jim, Watkins foi provavelmente o único autor das mensagens. Segundo os investigadores, os vestígios do estilo de escrita de Furber diminuem por esta altura, enquanto Furber criticou publicamente as mensagens de QAnon no 8chan.
Em entrevista ao The New York Times, Furber não negou que a sua escrita se assemelhava às mensagens publicadas por Q no 4chan.
Em vez disso, argumentou que os posts feitos por Q o tinham influenciado ao ponto de o seu estilo de escrita ter sido alterado para corresponder a Q. Watkins elogiou as publicações, mas também disse ao The New York Times que não era Q.
Como é que os estudos foram realizados?
Ambos os estudos utilizaram tecnologia informática para analisar os estilos de escrita pessoais de variados possíveis autores.
O estudo da OrphAnalytics baseou-se em modelos estatísticos que contam e comparam pequenas cadeias de caracteres para extrair uma assinatura individual da pessoa. Este método, segundo a OrphAnalytics, tem sido utilizado em “vários contextos criminais”.
Entretanto, o estudo na École Nationale des Chartes utilizou IA e machine learning para alimentar um modelo com fragmentos de extratos de escrita dos potenciais autores, até que o modelo aprendesse o estilo de escrita única de cada indivíduo — um método utilizado em estudos literários.
Florian Cafiero, investigador do Centro Nacional Francês de Investigação Científica e co-autor do estudo, referiu que é possível que o verdadeiro autor das mensagens QAnon “simplesmente não faça parte da nossa lista restrita“, mas acrescentou que os resultados de ambos os estudos são “bastante claros”.
“No segundo período [2018 em diante], uma semelhança estilística acidental entre Watkins e um autor ainda por identificar parece bastante improvável“, acrescentou o investigador.
Claude-Alain Roten, CEO da OrphAnalytics, partilhou a mesma confiança nos resultados. “O simples facto de duas abordagens muito diferentes apontarem para os mesmos indivíduos é, por si só, uma forte evidência. Porque unimos forças, podemos estar bastante confiantes nos nossos resultados”.